quarta-feira, 11 de maio de 2016

UNIR PARA GOVERNAR?


Há uma expressão no mundo da política que diz ser necessário dividir pra governar. A noção aplicada desde a antiguidade emergiu com força no imperialismo do século XIX. O objetivo seria criar cismas que enfraqueceriam os governantes e instituições locais, lançando em conflito entre si os diversos grupos sociais. Em diferentes épocas, essa foi uma lógica muito comum nas experiências imperiais.

Lembrei-me dessa frase quando ontem vi uma propaganda na página do Facebook do golpista/conspirador Michel Temer que dizia “falta pouco para unir o Brasil e fazer um governo sem rancor e sem ódio”. Em uma provocação na mesma rede social, fizeram um meme que completava: “sem rancor, sem ódio, sem votos, sem legitimidade, sem vergonha”. Apesar da brincadeira, acho difícil que uma união aconteça. Afinal, está claro para pelo menos 54 milhões de pessoas que isso foi um golpe, que se blindou da capa da legalidade para rasgar a constituição.

Talvez os golpistas estejam alucinando, mas é estranho falar em união quando só um lado é ouvido. Uma das frases mais empregadas na votação do dia 17/04 e já esteve na boca de muitos senadores que disseram votar a favor do impeachment é que é “necessário ouvir a voz das ruas”. Essa afirmação me deixa confuso e pergunto: que rua? Aquela das manifestações do pato e da rede globo ou daqueles a favor da democracia e contra o golpe?

Só vale se se vestir de verde-amarelo com a camiseta da mais que corrupta CBF? O interessante é acompanhar as manchetes: de um lado estava o povo na rua, de outro os apoiadores do governo. Uma construção que busca indicar que aquelas manifestações que se levantaram em todos os Estados do país em favor da democracia não eram povo. A união e harmonia só é possível quando um lado é totalmente ignorado. Os golpistas parecem escutar apenas um lado, aquele que o interessa.

Talvez essa harmonia e união venha da imprensa que forjará um falso consenso. Já é perceptível uma mudança nas capas da Veja. Não possuem mais aquele teor escatológico de antes. Talvez acreditem que a consumação do golpe e um governo não-petista seja o mesmo que o fim do caos. Talvez a união tão pregada pelos golpistas seja a ordem igualizadora, que apaga qualquer diversidade. Pessoas com deficiência, negros, mulheres, índios, trabalhadores etc serão apagadas sob o ideal de uma igualdade opressora que ignora as desigualdades sociais. 

terça-feira, 10 de maio de 2016

INSTABILIDADE?

Às vezes eu tenho a impressão de que os políticos estão se divertindo com os termos que utilizam, ao aplicar certas palavras indicando coisas contrárias ao que originalmente aquele vocabulário significaria. Além das conhecidas exaltações à liberdade, à constituição, à democracia e a condenação veemente da corrupção de um único partido, a palavra da vez parece ser “instabilidade”. Por conta da revogação da votação do impeachment na Câmara, um senador disse que o governo e seus aliados só estão querendo gerar mais instabilidade ao país.

É sério que eles acham que agir conforme as leis é causar instabilidade? Os golpistas parecem crianças. Já sabemos que desde a eleição de 2014 são crianças que não sabem perder. Mas, para além das posições políticas, me surpreende a ingenuidade desse povo que acha que tirar o PT do governo acabará com todos os males sociais e tudo que pretende dificultar o processo é motivo de pirraça. Se a Dilma indica o Lula como ministro, não pode é ilegal e fez isso para ter foro privilegiado. Se acusam o golpe, dizem que o impeachment está na constituição. Se indicam ilegalidades no processo querem causar tumulto.

O fato é que o golpe não dá direito de defesa. O cordeiro deve ser levado a sacrifício sem se manifestar ou tentar evitar o holocausto. Ou melhor, monta-se um teatro de legalidade, para dizer que a vítima teve direito de defesa. Mas, como disse José Eduardo Cardozo, essa é uma prática golpista, pois as cartas já estão marcadas e tudo se resume a mera encenação. Relatores que entregam pareceres substanciosos de um dia pro outro, proibições de palavras, crimes que não conseguem ser explicados. Com ares de processo democrático e amparados pela constituição inventam um impeachment sem crime de responsabilidade. Aqueles que não conseguiram vencer nas urnas por 4 vezes só podem obter o poder através de um golpe.

Mas sério que acham que esse é o caminho mais correto para fazer o país enfrentar a crise e devolver a estabilidade. Rasgaram a constituição e 54 milhões de votos. Se a partir de 2015 a crise econômica nos atingiu em cheio, a oposição vez de tudo para que não conseguíssemos sair dela. Conjuntamente, fomentaram uma crise política que deixou o país ingovernável. A solução que apresentam é retirar uma presidenta não acusada de corrupção para colocar no lugar os maiores envolvidos e políticas de austeridade.

Se querem estabilidade, se preparem pois não terão. A palavra “golpista” estará sempre gravada nas testas dos deputados e senadores que votaram a favor do impeachment. Além do mais, o povo que negou nas 4 últimas eleições o projeto neoliberal que a tal “ponte para o futuro” defende não vai aceitar facilmente. Vai ter golpe, e vai ter luta. Pelos direitos trabalhistas, em defesa da Petrobrás, da educação e saúde pública, as ruas serão ocupadas, certamente.

Aí, o que restará aos golpistas é dar o toque “militar” do golpe. Com a polícia oprimindo e rechaçando qualquer tipo de manifestação. A sonhada estabilidade se mostrará, na verdade, o início de uma guerra civil. E a culpa não estará necessariamente em nenhum dos lados, mas na imprensa que destilou o ódio e esqueceu qualquer tentativa de imparcialidade, no judiciário que passou em cima de leis e preceitos constitucionais, da polícia e suas conduções coercitivas sem convite para depor, dos políticos que, em busca de seus interesses pessoais, cagaram para o país, dos empresários (sobretudo a FIESP) que ampararam a ilegalidade para tornar legal a falta de direitos. Mas, sobretudo, do Superior Tribunal Federal, que é a instituição pela qual esperávamos que ordenasse a bagunça e dissesse a justiça.

As arbitrariedades que o STF realizou ou deixou de realizar nos levou até aqui. A instabilidade social está no horizonte. Nem um governo golpista terá legitimidade para governar em paz. Ignoradas a constituição e a democracia, qualquer escolha se mostra frágil. O que entristece e desaponta é ver que pouco se caminhou de 88 para cá. Não conseguimos criar instituições fortes e democráticas que julguem de forma imparcial e democrática. E onde a lei não é o rei, só nos resta a escravidão e as relações personalistas. Falhamos, sobretudo, em criar uma “cultura democrática”.