quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Dia da Mulher Cristã Evangélica



No final do ano passado, a criação do Dia da Mulher Cristã evangélica em São Paulo causou espanto a muitos. O projeto do deputado estadual Adilson Rossi (PSB) e sancionado pelo governador Geraldo Alckmin pareceu um absurdo; um contrassenso contra tudo o que está em pauta atualmente na luta da mulher por mais igualdade e melhores oportunidades. Além disso, por sua exagerada especificidade, era algo totalmente excludente: Por que não fazer então um Dia das Mulheres intolerantes a lactose? Ou um dia das mulheres ruivas? Ou um dia das mulheres praticantes de candomblé?

Certamente o dia 8 de Março, ao se apoiar em uma categoria mais ampla (mulher), agrega todas elas, seja qual for sua particularidade. No entanto, essa notícia, que por parecer dissonante à época e dada como pouco importante, é, ao contrário, um dos fatos mais relevantes da atual conjuntura. Tão importante que pode ser um elemento chave para eleição de 2018.

No fundo, o que está em jogo é a colonização do espaço público por interesses privados. Do golpe à eleição americana, 2016 foi um marco para isso e pautou a política eleitoral e parlamentar. É só ver a votação do Impeachment na Câmara dos Deputados em que supostos representantes do povo diziam votar por membros de sua família. Ou, então, podemos pensar nas eleições municipais em que religiosos ou “gestores” assumidamente privatistas venceram eleições contra candidatos com projetos e engajamentos com os interesses públicos.

É esse o caminho da política atualmente. O mundo caminha em direção ao espaço privado. E a constante afirmação do espaço público como um espaço caótico e ameaçador colaboram ainda mais para o medo, posturas violentas e a proteção das certezas domésticas. O voto balizado pela classe social parece ter sido colocado de lado, não é mais uma suposição válida que pessoas com uma renda mais baixa votem em partidos de esquerda, preocupados com políticas sociais e com a diminuição das desigualdades. Ao contrário, é a religião que parece ter assumido esse papel e não pode ser ignorada. O voto com o interesse público é substituído pela estabilidade da manutenção dos meus compromissos privados. Sob essa perspectiva, a criação de um Dia da Mulher Cristã Evangélica é ponto que precisa ser pensado para além da mera escolha confessional.

E a esquerda tem que estar atenta a esse fenômeno, caso contrário seremos obrigados a lidar com pastores e religiosos da bancada da bíblia, que pretensamente se vendem como incorruptíveis por causa de sua fé (mas sabemos não é bem assim que a banda toca). Não devemos achar que os absurdos e escândalos que aparecem todos os dias sobre o atual governo sejam suficientes para garantir a eleição de 2018. Nesse sentido, a criação do “Dia” deve ser visto como um sinal de alerta. Caso não seja capaz de reconstruir os vínculos públicos nos próximos anos, a esquerda poderá amargar o absurdo. A eleição poderá ser decidida por aquela mulher negra e pobre, que encontra mais afinidade e conforto em seu lar, em sua Bíblia e na sua Igreja evangélica do que no movimento negro, na rua e no “Manifesto Comunista” ou no “Segundo Sexo”.