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terça-feira, 9 de maio de 2017

A Revolução Brasileira




A Revolução vai acontecer. Não sei se esse mês, no próximo, ano que vem ou daqui a 21 anos, mas vai acontecer. Talvez não seja uma ruptura drástica e violenta, com guilhotinas e tudo o mais, mas, ao contrário, um lento processo pacífico e evolutivo de uma mudança sem retrocessos. É difícil afirmar que não haverá retrocessos, afinal sempre haverá aquelas forças que tentarão conter qualquer progresso, a fim de manter seus privilégios. O golpe está aí para provar. No entanto, a crença em um não retrocesso é a mesma que carrego sobre a possibilidade de uma revolução: o Zeitgeist mudou e apenas não é mais possível continuar fazendo as coisas da mesma forma.

Embora seja perceptível os esforços de homens e mulheres das mais diversas áreas em assegurar uma estrutura que impeça a presença da diversidade e mantenha seus privilégios privados em detrimento do público, as pessoas não são mais as mesmas. Se antes era fácil, pelo monopólio da informação, acesso à educação e instituições, sustentar uma única voz, coerente e ordenada, agora é mais difícil.

Os parlamentares, juízes, imprensas, empresários brincam com a vida humana e a população de todo um país como se fosse um boneco inanimado, sem sangue, ossos e carne. E ainda dizem “acreditem em mim”! Chegamos a um ponto em que o medo se torna ridículo, absurdo. Mentem como se não tivéssemos os meios para saber que estão mentindo. Querem nos forçar a acreditar que convicções bastam, sem mesmo a existência de provas.

Alguns poderes parecem não conhecer o mundo em que vivem. Um executivo que, em pleno século XXI, diz que as mulheres são importantes para a economia porque captam melhor a variação de preços no supermercado; não parece estar falando sério! Ou que governos precisam de maridos para controlar os gastos, não tem qualquer relação com a época atual. E o legislativo, que parece estar brincando de lego com a vida alheia, isolado em seu mundo, fazendo leis e mudando a constituição sem qualquer relação com o mundo do lado de fora. Às vezes fico na dúvida se acreditam estar vivendo em 1950 ou 1850?

Mas isso é só alguns dos elementos que formam o material combustível espalhado no terreno. No entanto, de nada adianta um espaço encharcado de gasolina sem um isqueiro para incendiar toda a área. Falta aquilo que os estudiosos das revoluções chamam de “gatilhos”, as causas de curta duração. É isso que faz – apesar de encontrarmos certas condições e de toda confiança e desejo de mudança – a Revolução apenas uma possibilidade. E isso mais que unicamente descritivo, faz desse texto também um pouco prescritivo, pois compartilha esse desejo.

Longe de querer traçar leis para os fenômenos políticos, dois elementos me fazem otimistas apesar de todas as aparentes derrotas. O primeiro é a crescente polarização, que atinge o país pelo menos desde 2013 profundamente contra o atual projeto. A escolha de lados e a dicotomização de atitudes se é ruim para a prática da política e da ética, é um guia interessante. Torna-se cada vez mais fácil escolher um lado e mesmo muito daqueles que estavam do outro lado já percebem nitidamente o monstro que ajudaram a criar. E, agora, devem lutar juntos para combatê-lo, não importa a cor da camisa, em nome de valores maiores como democracia, liberdade, justiça e igualdade.

Uma teoria que ficou muito famosa dentre os pesquisadores de revoluções foi proposta por J. C. Davies na década de 1960. Para o autor, a revolução seria o resultado de um pequeno momento de frustrações e rompimento na ascensão social, depois de um período maior de crescimento econômico e de possibilidades. Sem querer dizer que isso é uma pré-condição necessária para a existência de uma revolução, pois essa permanece sempre uma mera possibilidade, acho que a teoria formulada pelo sociólogo americano, da Curva J, nos ajuda a explicar algumas coisas para o momento atual.

Adaptando a teoria a nosso contexto; desde 2002 o Brasil vem num crescendo que passa pelo crescimento econômico, a notoriedade internacional (seja pelos blocos, seja devido aos eventos esportivos), a democratização do ensino superior, entre outras coisas. O Golpe foi uma tentativa (espero de curto prazo) de conter essa escalada.


No entanto, essa não será uma revolução como as outras, amparadas em valores abstratos e racionais, buscando valores universais, mas uma revolução histórica. Nela todas as vozes silenciadas, as memórias esquecidas, as formas da diversidade, emergirão para o horror dos mais conservadores e binários. Nessa revolução não há direitos naturais, mas direitos conquistados pelas lutas cotidianas contra os possíveis retrocessos e o atual estado das coisas.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Dia da Mulher Cristã Evangélica



No final do ano passado, a criação do Dia da Mulher Cristã evangélica em São Paulo causou espanto a muitos. O projeto do deputado estadual Adilson Rossi (PSB) e sancionado pelo governador Geraldo Alckmin pareceu um absurdo; um contrassenso contra tudo o que está em pauta atualmente na luta da mulher por mais igualdade e melhores oportunidades. Além disso, por sua exagerada especificidade, era algo totalmente excludente: Por que não fazer então um Dia das Mulheres intolerantes a lactose? Ou um dia das mulheres ruivas? Ou um dia das mulheres praticantes de candomblé?

Certamente o dia 8 de Março, ao se apoiar em uma categoria mais ampla (mulher), agrega todas elas, seja qual for sua particularidade. No entanto, essa notícia, que por parecer dissonante à época e dada como pouco importante, é, ao contrário, um dos fatos mais relevantes da atual conjuntura. Tão importante que pode ser um elemento chave para eleição de 2018.

No fundo, o que está em jogo é a colonização do espaço público por interesses privados. Do golpe à eleição americana, 2016 foi um marco para isso e pautou a política eleitoral e parlamentar. É só ver a votação do Impeachment na Câmara dos Deputados em que supostos representantes do povo diziam votar por membros de sua família. Ou, então, podemos pensar nas eleições municipais em que religiosos ou “gestores” assumidamente privatistas venceram eleições contra candidatos com projetos e engajamentos com os interesses públicos.

É esse o caminho da política atualmente. O mundo caminha em direção ao espaço privado. E a constante afirmação do espaço público como um espaço caótico e ameaçador colaboram ainda mais para o medo, posturas violentas e a proteção das certezas domésticas. O voto balizado pela classe social parece ter sido colocado de lado, não é mais uma suposição válida que pessoas com uma renda mais baixa votem em partidos de esquerda, preocupados com políticas sociais e com a diminuição das desigualdades. Ao contrário, é a religião que parece ter assumido esse papel e não pode ser ignorada. O voto com o interesse público é substituído pela estabilidade da manutenção dos meus compromissos privados. Sob essa perspectiva, a criação de um Dia da Mulher Cristã Evangélica é ponto que precisa ser pensado para além da mera escolha confessional.

E a esquerda tem que estar atenta a esse fenômeno, caso contrário seremos obrigados a lidar com pastores e religiosos da bancada da bíblia, que pretensamente se vendem como incorruptíveis por causa de sua fé (mas sabemos não é bem assim que a banda toca). Não devemos achar que os absurdos e escândalos que aparecem todos os dias sobre o atual governo sejam suficientes para garantir a eleição de 2018. Nesse sentido, a criação do “Dia” deve ser visto como um sinal de alerta. Caso não seja capaz de reconstruir os vínculos públicos nos próximos anos, a esquerda poderá amargar o absurdo. A eleição poderá ser decidida por aquela mulher negra e pobre, que encontra mais afinidade e conforto em seu lar, em sua Bíblia e na sua Igreja evangélica do que no movimento negro, na rua e no “Manifesto Comunista” ou no “Segundo Sexo”.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

RES PRIVADA: SOBRE A BURLESCA VOTAÇÃO DO DIA 17

O filósofo francês Gilles Deleuze tem uma definição sobre o que é ser de esquerda e de direita que gosto muito. Para ele, estar e defender algum desses opostos seria uma questão de perspectiva, como um remetente de uma carta. O sujeito de direita sairia de si e se movimentaria em direção ao mundo. Em um deslocamento centrífugo se afastaria de um pensamento focado em si, sua casa, seu bairro, sua cidade, seu Estado, seu país, o mundo. O sujeito de esquerda agiria justamente de forma contrária. Sua consciência repousaria no todo, em primeiro lugar, se aproximando aos poucos dos interesses pessoais: o mundo, o continente, o país, o Estado, a cidade, o bairro, sua casa, si próprio. Gosto muito dessa definição, acho que descreve com perfeição o que está em jogo em adotar uma posição política.

Lembrei-me muito dessa explicação na votação do impeachment na Câmara. Aqueles deputados que votaram pelo sim, diziam agir pela sua família, em nome de sua esposa, em defesa de seus filhos, pelos seus netos, etc. Outros até exaltavam sujeitos coletivos, mas, ainda assim, associados a interesses particulares: os militares do golpe de 1964, os fazendeiros, os produtores do setor fumageiro, os médicos do Brasil, os evangélicos etc. Diziam votar contra a corrupção e em defesa de um mundo melhor.

Os políticos de esquerda que votaram pelo não justificavam sua escolha em defesa dos interesses dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, das pessoas com deficiência, dos LGBT etc. Setores que certamente serão prejudicados com a consumação do golpe. Esses dias, no facebook, vi uma postagem que definia bem a situação e por isso me sinto obrigado a descrever de forma completa. Dizia assim: “Uma aulinha básica de ciência política: Família é uma instituição do mundo privado. Deputado é um agente público. Quando o agente público diz que está votando pela família dele ou de qualquer outro, está explicitando que como agente público ele defende interesses privados. O certo seria fazer referência a sujeitos coletivos, portanto, públicos como trabalhadores, os diversos segmentos sociais existentes na sociedade. O ethos privado suplantando o ethos público é a origem da corrupção. E você aplaude isso? Me perdoe, mas o tamanho de sua ignorância política me envergonha”.

Esse é um golpe à democracia e é acima de tudo um golpe contra todas as conquistas sociais dos últimos 14 anos. É um golpe contra a CLT, contra a Petrobrás, contra a universidade pública, o mais-médico, ao SUS etc. É uma atitude autoritária daqueles que não conseguiram ganhar nas urnas. Como disse no último post, querem de volta a distinção. Querem um projeto de governo que não possibilite cotas, direitos trabalhistas, a viagem do porteiro, o estudante no exterior. Querem uma sociedade hierarquizada e que beneficie unicamente a elite.


terça-feira, 26 de abril de 2016

OS SIGNIFICADOS DA CORRUPÇÃO



Falemos sério: a questão de fato nunca foi a corrupção, mas o projeto de poder que ela sustenta. Se aqueles que pedem o impeachment e querem tirar o PT do governo estivessem realmente preocupados com a corrupção estariam ao menos incomodados com o processo ser conduzido pelo Eduardo Cunha, pelo fato de o governo ser assumido pelo PMDB. Ficariam indignados com o sigilo imposto sobre a lista da Odebrecht, com o afinco de investigar o Lula enquanto escândalos envolvendo outros partidos e políticos são rapidamente abafados.

Esse discurso do “somos contra a corrupção, queremos que ambos os lados sejam investigados e presos” é falacioso. Não porque o princípio esteja errado, ou mesmo seja antiético. Para uma democracia fortalecida precisamos disso e de que ninguém esteja acima das leis. No entanto, não é o que acontece na prática. A honrada ideia não deixa de ser isso, uma ideia. Não quero hierarquizar um partido mais ou menos corrupto, mas é, no mínimo, de se desconfiar a parcialidade da mídia e do judiciário brasileiro. O foco massivo em apenas um lado da moeda fortalece os discursos que colocam um único partido como origem e consequência da corrupção.

Todavia, não é possível alegar ingenuidade daqueles que querem o impeachment para acabar com a corrupção. Pois dessa forma não concordariam com a cena burlesca daquela votação na câmara no dia 17. Ou seja, não é corrupção que incomoda, mas o que se faz com ela. Os golpistas querem o poder, não para acabar com corruptos e corruptores, mas para terem de volta o controle da PF, a promulgação de impostos, da escolha de ministros para o STF etc.

O argumento é que se deve acabar com o governo petista porque devido à corrupção ele desenvolveu uma maquinaria que lhe permitisse ficar indefinidamente no poder. Os desvios do dinheiro público seriam para isso: vencer as eleições. É isso que os “arautos da ética” dizem defender. No entanto, não é isso que faz do PT um governo que, apesar de todas as denúncias e perseguições, seja ainda uma opção menos pior do que todo o resto entre os outros partidos de centro-direita.

Se a corrupção é ubíqua, não escolhendo lados e partidos, e dificilmente será exterminada, devemos nos questionar o que de fato ela nos auxilia. O que é melhor, a corrupção que sustenta um projeto de governo que beneficia a muitos ou a poucos? Será que ela é mais justa nas contas bancárias no exterior de uns poucos políticos ou em melhorias e prazeres privados do que aquela que sustenta no Estado pessoas que prezam a melhoria do público e o maior acesso à saúde e educação a todos?

Os defensores da moral e dos bons costumes querem realmente o fim da corrupção ou querem a volta de uma estrutura que trazia benefício unicamente a corruptos? Querem retornar ao poder para destruir o bem público em benefício próprio. Não interessa se suas atitudes vão prejudicar o país, o que interessa é o quanto podem receber de empresas em suas contas. Querem a distinção. A isso criticam os médicos cubanos que se submetem a ir a áreas pobres acabando com o glamour daquela profissão. Querem o pré-sal. Dane-se a soberania nacional, dane-se a saúde e educação, dane-se o SUS e a escola pública. Essas coisas não dão dinheiro. Ao contrário, quanto menos investimento, menos impostos e mais distintos são aqueles que podem pagar por serviços exclusivos.

A isso, vê-se que a corrupção não é o problema. Se fosse, ainda sim preferiria um projeto que beneficiasse a maior parte da população e não apenas poucos, corruptos ou aqueles que querem manter seus privilégios. Aqueles que dizem querer seu país de volta, querem recuperar uma estrutura de poder que mantinha uma sociedade desigual e obediente a seus superiores. Falar em corrupção é só um bode-expiatório para ocultar as reais intenções e justificar o golpe, pois ninguém dúvida que aqueles deputados que votaram contra corrupção votaram em benefício próprio, de sua família, esposa, filhos, net...


quinta-feira, 21 de abril de 2016

SIM, VAI TER GOLPE! INFELIZMENTE...


Sinceramente, eu tenho dúvidas se ainda é possível acreditar em alguma chance de não acontecer o impedimento da presidenta Dilma. Não que eu não queira com todas minhas forças que a ordem democrática e a escolha popular das urnas prevaleçam. Só que, infelizmente, não acredito tanto mais nessa possibilidade (estou aberto a injeções de ânimo e visões otimista). A questão nunca foi a democracia. Desde o resultado da eleição (antes até) se elevou contra a Dilma e o PT discursos e práticas que resultaram na negação da justiça, da constituição e das instituições democráticas.
Vemos um STF acovardado, que impossibilita a posse de Lula como ministro, permite um impeachment sem crime de responsabilidade, que deixa solto um cara como Eduardo Cunha e arquivou qualquer denuncia contra o PSDB. Vemos um TSE que consegue fazer um malabarismo impensável em que possa condenar unicamente a Dilma e absolver seu vice da mesma chapa. Observamos atônitos uma prática judicial que nega qualquer princípio de não culpabilidade sem investigação, em que uma delação é elevada à qualidade de prova e que prende primeiro e antes de qualquer investigação séria. Ou seja, a questão nunca foi a justiça. 
Assim, tendo a achar uma ingenuidade (uma posição que eu mesmo tive que me convencer) de que se pode esperar uma decisão justa e democrática nesse caso. Acho vã qualquer esperança de que o senado consiga barrar o impeachment ou o STF intervenha em nome dos preceitos constitucionais. Muitos dos nossos políticos, empresários, jornalistas e juristas querem uma democracia sem povo. Depois da burlesca votação do impeachment na câmara fica difícil acreditar que o simples respeito à constituição pode nos salvar. 
Nesse circo que se apresenta e no qual ao povo parecem relegar um papel secundário ou de mero espectador, cabe unicamente à população a ocupação das ruas e do espaço público e o virtual. Vai ter golpe, sim, infelizmente. Gostaria de estar errado! Mas, não vejo muitas formas de se evitar isso que não seja a mobilização constante de quem nunca saiu das ruas ou o crescimento e divulgação da opinião pública internacional contra o golpismo. 
Ocupar as ruas é importante para não deixar o golpe prosseguir. O impeachment da Dilma é só o primeiro passo. Se os golpistas não se contentarem com uma cabeça oferecida à multidão, vão continuar no complô jurídico-midiático para acabar com o PT e qualquer chance do Lula voltar em 2018. Mas uma coisa é certa, com o golpe se efetivando a esquerda será fortalecida para as eleições municipais. Isso se aprender duas lições importantes: apesar das diferenças os partidos de esquerda devem se unir e, principalmente, nunca mais se envolver com partidos como PMDB, PP etc.

domingo, 3 de abril de 2016

OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS?

Talvez, o primeiro a responder positivamente a essa questão tenha sido Maquiavel, no início do século XVI, em sua obra O Príncipe. Propondo uma cisão entre ética e política, em que o governante deveria fazer o que fosse preciso para manter o poder, mesmo que isso significasse ir pelo caminho contrário ao sugerido pelos preceitos morais, deixou horrorizada uma Europa cristã, em que, ao contrário, o príncipe deveria ser justamente um símile e condutor dos princípios religiosos. Tal argumentação certamente foi um dos elementos que propiciou as bases para a percepção pejorativa que o termo maquiavélico tem, ainda hoje, entre nós.

Apesar da resistência sofrida por essa concepção, ninguém duvida de sua vitória. Mesmo que ainda fiquemos horrorizados com uma política sem ética, hoje a ação política determinada por preceitos morais e religiosos já não é tão desejada. Inclusive até preferimos que o privado seja afastado do público, e que opiniões particulares fiquem distantes dos assuntos sociais. Tem sempre um parlamentar querendo intervir no sexo, no útero, na roupa, na educação alheia etc. e essa distinção entre âmbitos é o que, na verdade, nos resguarda. No entanto, há um fator que deveria estar acima de qualquer opção pessoal: o bem-comum.

Ao contrário, o que percebemos é a atuação de grupos midiáticos, jurídicos, industriais, sociais etc, querendo destruir conquistas políticas tardias, em nome de escusos interesses privados. Não admira que aqueles que querem o Impeachment da presidenta, sejam justamente aqueles mais denunciados por corrupção. Não é de se surpreender com as estatísticas de que a maior parte dos que vestem verde-amarelo ganhem mais, tenham nível superior, votaram no Aécio etc. Em resumo, são pessoas que veem uma piora em suas condições de vida, isso, todavia, devido à melhora da vida dos outros. Para esses que sempre tiveram privilégios, a busca por igualdade significa opressão e um governo mais preocupado com as questões sociais só pode parecer uma ditadura.

Em verdade, querem a destruição desse projeto de Brasil a qualquer custo. Querem o fim das garantias trabalhistas, o monopólio midiático, a privatização dos bens públicos, o silêncio das diferenças, os privilégios, a distinção da massa da população e, por conta dessa tal pretensa superioridade, a submissão. E nesse sentido: os fins justificam os meios? Ao que parece, sim. Mas não de um governante que quer sustentar seu Estado, ao contrário, de uma elite ávida por reconquistar o poder perdido. Identificam a perda desse mundo com o PT, o ex-presidente Lula, a presidenta Dilma, os movimentos sociais com a figura do mal e estão dispostas a tudo para ter seu país de volta!

Não interessa a opinião dos outros. A democracia só vale se minha opção prevaleça. As pessoas se admiram com a presença e participação ativa da população nas manifestações do dia 18 e 31, contra o golpe e a favor da democracia. Sim, gente, não sei se vocês sabem mas a Dilma ganhou as eleições e há 54 milhões de pessoas dispostas a defender sua escolha. Certamente, os golpistas acharam que seria mais fácil derrubar a presidenta, para terminar as investigações e vender o Brasil. Para se atingir o objetivo tudo seria permitido, até ignorar os meios.

Vivemos na exceção. Começando pela perseguição voraz a um único partido e a ocultação de toda corrupção realizada por outros. Para isso, não é necessário respeitar o comprometimento jornalístico, a constituição, a ética médica, a opinião dos outros.  Corruptos unidos prometem combater a corrupção. Decreta-se a prisão preventiva ou a tal condução coercitiva antes mesmo de uma séria investigação ou da pessoa ser notificada a depor. Afinal, nestes casos, geralmente o acusado já foi determinado, agora só falta o crime, mas esse é irrelevante.

Por esse pensamento, quem usa vermelho não é patriota, mesmo que seja contra a desigualdade social e a favor do investimento público. De verdade mesmo é a FIESP, que pede impeachment e colori seu prédio de verde-amarelo, o fato dela defender a terceirização e o desmonte da CLT é só um detalhe e favorece aquele Brasil pelo qual acredita valer a pena. A médica que negou atendimento a uma mãe petista é louvada pelo presidente de seu sindicato. A OAB protocola um pedido de impeachment tentando criminalizar absurdamente ações legais. Ainda bem que ela é uma organização isenta, mesmo não sendo tão rápida assim para pedir a cassação de Eduardo Cunha e ter apoiado o golpe de 1964.

Justiça? Já ouvi falar. Nesta ditadura petista em que só petista é preso, a informação e a investigação é totalmente parcial. Enquanto pedem a prisão preventiva de Lula, para orgasmo da elite e para espetacularização da mídia, por um triplex e um sítio que nem é dele, Cunha e sua família estão soltos. Mas cassá-lo ou prendê-lo pode atrapalhar o andamento do processo de impeachment e inimigo do meu inimigo é meu amigo. Observam o parecer de Gilmar Mendes como o ícone da justiça e da idoneidade. Quem não te conhece que te compre. Por isso defendo a discussão política em termos de intenção, não de verdade. O bem público, o comportamento ético, justo e comprometido não interessa, desde que os fins sejam obtidos. Mesmo que para isso seja necessário espoliar a população, agir contra a constituição, levantar a voz, usar de violência e ignorar a legitimidade das urnas, levando junto todos pilares que sustentam nossa democracia.

segunda-feira, 28 de março de 2016

VERDADES E INTENÇÕES!

Sinceramente, acredito que na discussão política temos que abandonar, o mais rápido possível, a noção de verdade e passar a discutir a questão em termos de intenção. Enquanto acharmos que um órgão, partido ou instituição detém a verdade absoluta sobre uma questão, daremos margem a autoritarismos e violências. A ideia presente no Evangelho de João de que basta conhecer “a verdade e a verdade vos libertará”, tão importante no mundo religioso, pode ser igualmente aplicada para o universo social, cultural, científico etc.

Por essa perspectiva, a vida passa a ser percebida como um infinito progresso em direção ao conhecimento verdadeiro e as épocas e saberes passados como dignos de serem descritos como meras superstições. Essa estrutura, por exemplo, está presente na forma que tratamos nossas crianças, velhos ou adversários, tidos como aqueles que “ainda” estão afastados da verdade, da ciência ou que possuem um saber anacrônico e ultrapassado. Como uma máscara que esconde a verdadeira pessoa do ator em cena, a verdade deveria ser revelada para que o essencial fosse capturado. Retirados os véus que separariam a realidade das aparências, os seres humanos então poderiam enfrentar de maneira mais sóbria suas reais condições de vida. Seja por determinação divina ou devido a uma ideologia da classe dominante, toda ilusão deveria ser retirada para a efetiva libertação e autonomia do indivíduo.

Todavia, essa percepção muito em voga, tanto na esquerda quanto na direita, pode esconder mecanismos reais de opressão, pois percebe a guerra pela verdade quase como um comportamento missionário. Aquele que teve acesso ao conhecimento tem a obrigação moral de revelá-lo ao outro. O que a um se afigura como uma missão civilizatória pode, por outra perspectiva, esconder a violência e autoritarismo presentes nesse processo. O imperialismo foi justificado assim, seja pelo espanhol que prometia levar o cristianismo ao indígena, seja pelo europeu que se empunha “o fardo” de levar a civilização à África. Como conclusão, toda exploração imposta às sociedades coloniais, para que tivessem acesso “a verdade”, é jogada para baixo do tapete.

Para isso, o processo é simples. Basta definir o bem, o justo, a liberdade como uma coisa específica, aprisionando-os em uma categoria e interpretando tudo o que não é aquilo que defendemos como símbolos do mal, da injustiça e da tirania. Algo bem comum em nossos dias. Sob tal perspectiva, o mundo é simples, encaixado em cores binárias e em argumentos tautológicos. Toda a complexidade da vida é reduzida em exércitos enfileirados em lados opostos: a luta entre o bem e o mal.

Com esse pensamento, a categoria se adianta ao discurso, à prática. Assim, é possível ver pessoas dizendo defender a “democracia”, pedindo intervenção militar ou se dizendo “patriotas”, por não vestir vermelho, mas apoiando a privatização do pré-sal e da Petrobrás. Essas, quando argumentamos algo que se afaste de suas expectativas ou entendimento, querem ganhar no grito, na violência. Têm um comportamento extremamente autoritário, pois se frustram com discordâncias e argumentos, querendo nos impor aquilo que definem como “verdade” goela abaixo, mesmo que seus discursos sejam contrários à ideia que dizem justamente defender. Não é a verdade que interessa, mas o poder. A realidade se transforma em uma disputa para revelar quem tem mais força.

Caso queiramos fugir dessa abordagem, devemos reconhecer que o objetivo não é o conhecimento verdadeiro, mas entender os mecanismos que permitiram que um saber se sobrepusesse a outros, em nome da fé ou da ciência. Ou seja, quem definiu que tal coisa é tal coisa, as intenções contidas na formulação e realização de um ato e que, de fato, o conflito em torno da verdade é uma guerra pelo poder. Devemos estar conscientes de que o conhecimento não nos liberta necessariamente, mas é um objeto em disputa por diferentes sujeitos e discursos.

A verdade não é algo que precisa ser revelada. Não é um ponto de chegada, mas deve, ao contrário, ser um ponto de partida. Devemos nos questionar quais são as intenções que aquelas pessoas têm para defender tal perspectiva, ou os motivos das omissões e escolhas feitas por determinado povo ou instituição. Por que utilizam noções como “patriotismo”, “democracia”, “corrupção”, para defender práticas e discursos que significam justamente o seu contrário?

Ainda hoje agimos dessa forma missionária em discussões virtuais, mas acredito que não é a questão. Comportamos-nos como se a verdade estivesse aí para todos enxergarem e fosse motivo necessário e suficiente para a salvação. No entanto, às vezes, tal postura é improdutiva, apenas uma perda de tempo. Uma regra que pus a mim mesmo e que, apesar de escorregar às vezes, tento seguir é: não discuto categorias, mas argumentos. O outro sempre tentará reduzir seu raciocínio sob uma categoria: “petista”, “esquerda caviar”, “comunista” etc.

Infelizmente, em muitos casos, as pessoas acreditam naquilo que já estavam inclinadas a acreditar no começo, por isso não interessam estatísticas, argumentos etc. A conversa é inútil. Dessa forma, seria melhor abraçar o caos e ao invés de buscar a revelação da verdade, devíamos reconhecer que há uma cacofonia de vozes e interesses em disputa. Nessa perspectiva, acredito que aceitar essa diversidade é o primeiro passo para fazermos da luta política algo mais produtivo.

domingo, 20 de março de 2016

QUERO O MEU PAÍS DE VOLTA!


Um dos argumentos defendidos pelos manifestantes vestidos de verde amarelo do dia 13 de março é de recuperar aquele país que lhe havia sido tomado. O motivo é justo, afinal originalmente a própria concepção de “revolução”, até aproximadamente o século XVIII, significava um retorno ao ponto inicial. Na medicina, como na política, um corpo doente, fosse ele o natural ou o estatal, seria restaurado com o equilíbrio de seus humores, o combate das partes facciosas e o retorno da ordem antiga, em que cada um sabia exatamente o seu lugar no mundo.

No entanto, há de se perguntar: que país é esse que querem de volta? Na última década, o Brasil saiu do mapa da fome, diminuiu a desigualdade social, investiu pesado em educação (novas universidades, cursos técnicos, bolsas e financiamentos no ensino superior, programas de intercâmbio internacional), foi palco de grandes eventos, como uma Copa do Mundo e as Olimpíadas (isso para ficar só nos esportivos), se tornou uma das mais importantes economias do mundo. Dessa forma, seria injusto dizer que alguém defende a volta da fome, da desigualdade, da baixa relevância econômica etc. Para mim, seria no mínimo, uma falta de caráter. Apesar que uns defendem Bolsonaro e o retorno da Ditadura - então, vai saber.

Um dos argumentos empunhados pelos manifestantes do 13 de março é o combate à corrupção e o necessário investimento em saúde e educação. Assim, me parece um pouco irracional se levantar contra os governos e o presidente que mais atuou nessas áreas. Desta forma, vamos deixar claro: o problema de fato não é a corrupção, mas o projeto político que ela sustenta. A seletividade da mídia, do judiciário, do mundo político, de empresários e de alguns cidadãos com as corrupções de alguns e não de outros revela isso. Vivemos em uma época em que falsos moralistas vêm a público e que corruptos se unem sob a bandeira de lutar contra a corrupção.

Se não seria justo dizer que aqueles vestidos com a camiseta da CBF (diga-se de passagem, uma das instituições mais corruptas de nosso país) desejam a volta da fome, da pobreza, da desigualdade (afinal isso seria um discurso que moralmente não cairia bem caso viesse a público), resta ainda a dúvida: o que querem então? Sonham com aquele país em que tinham poder e privilégios, o monopólio do conhecimento e dos espaços (acadêmicos, geográficos, sociais, econômicos etc). Em que o aeroporto não parecia uma rodoviária, em que uma viagem internacional ou um curso superior era símbolo de distinção. Como disse Danuza Leão em sua coluna na Folha: “Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?"

Desta forma, o que está em jogo, de fato, é o papel que o Estado deve desempenhar. “Essa gente” acredita no valor individual como elemento de distinção, seja devido à herança, poder aquisitivo, posição profissional ou grau acadêmico. Exaltam esforços individuais como exemplos de superação, ignorando todos os mecanismo de poder e exclusão existentes. Nas manifestações, tiram fotos com pobres ou gravam vídeos com negros (quase objetos de exceção, raridades em exposição) para mostrar que ali não está presente somente a “elite branca”. Na internet ironizam o pão com mortadela recebido pelos militantes, sem se questionar do filé mignon dado pela FIESP. Criticam aqueles que chegaram de ônibus fretado por instituições e sindicatos, sem pensar que em São Paulo o governo (PSDB) liberou as catracas do metrô. Se fosse um governo do PT facilmente seriam levantadas as acusações de aparelhamento e utilização da máquina estatal para fins privados.

Assim, veem a atuação do Estado para consertar qualquer desigualdade (Bolsa família, cotas, programas habitacionais) como esmola, algo avesso ao esforço individual. Para alguns privilegiados, os últimos 12 anos representam o declínio da distinção, dos privilégios e do monopólio de bens e do conhecimento. Agora, viagens e equipamentos não são mais exclusividade dos endinheirados ou a palavra do “senhor” atestado de verdade. Não é mais o único detentor do acesso à instrução. Nem a Rede Globo é a única fonte de informação, seu jornalismo atua contra os interesses nacionais (por isso sua atuação tão feroz contra o governo e em benefício do Golpe).

A volta desse país desejado representa o retorno da hierarquia, de uma organização social baseada na dependência. Não desejam a autonomia da população, mas sua eterna vassalagem, em que a relação desigual imposta gere a gratidão e o compromisso do “inferior” com aquele percebido como “superior”, tanto política como economicamente. Querem a volta dos tempos dos coronéis e em que o Estado não impunha tantos encargos trabalhistas. Sonham com um tempo em que era mais fácil encontrar uma empregada doméstica, em que o empregado não saía do emprego porque achou condições melhores em outro local, mas que, apesar da exploração, via na atitude do patrão um ato de benevolência, e por isso assumia a docilidade. De verdade, é esse o país que querem de volta. E é esse país que 54 milhões de pessoas não estão dispostas a devolver.


quinta-feira, 26 de junho de 2014

O argumento tautológico



Segundo o dicionário Houaiss, tautologia, pela lógica, pode ser definida como uma “proposição analítica que permanece sempre verdadeira, uma vez que o atributo é uma repetição do sujeito (o sal é salgado)”. Ainda, segundo a mesma obra, retoricamente é considerada uma “expressão que repete o mesmo conceito já emitido, ou que só desenvolve uma ideia citada, sem aclarar ou aprofundar sua compreensão”. Às vezes é assim que me sinto quando tento debater com certas pessoas.

Adoro conversar com aqueles/as que problematizam e testam minhas afirmações. Procuro ir para qualquer conversa munido de argumentos sobre o que pretendo defender, mas acreditando fielmente que posso sair dali convencido do meu engano. No entanto, para isso, é necessário ouvir a argumentação do outro lado, a partir de opiniões verossímeis e socialmente aceitáveis. Ou seja, há de se argumentar. O que infelizmente não acontece.

Não sei se por falta de educação política ou pura canalhice, o que tem se tornado cada vez mais comum é o argumento tautológico. Que defino como um tipo de ferramenta retórica que não visa a compreensão, mas a simples divisão dos lados que já estavam e eram perceptíveis no início da conversa. Sob essa perspectiva, não há debate, apenas a ratificação de posições já disponíveis. Sai-se como no começo, da mesma maneira que se entrou e com a sensação de tempo perdido. Uma energia intelectual foi gasta por nada.

Como se não adiantasse discutir, você é aquilo que a pessoa já pensava de você anteriormente e toda sua argumentação cabe em uma caixinha pintada, ou de vermelho ou de azul. Essa simplificação é uma infantilização de quem assistiu muito desenho animado, em que só havia dois lados ou o bem ou o mal. Sobre isso, vale ler a resposta do deputado Jean Wyllys a Rodrigo Costantino.




O tipo de “argumento” (se podemos chamar isso de argumento) é quase sempre uma repetição. Repete-se frequentemente invertendo os termos da oração. Algo como se dissessem: você é burro porque é petista, ou, tentando ser mais claro, você é petista porque é burro. Ou, como já ouvi, você pensa assim porque é petista. E, assim, a parlamentação vai.

Naquela situação não pedi uma explicação para essa frase, pois a resposta fatalmente seria algo como “você é petista porque pensa desta forma”. Sinceramente, não adianta você explicar que está à esquerda do PT, que seu pensamento não está fechado em categorias estanques, que o mundo é mais plural do que vermelho e azul, que você pensa daquela forma devido aos pontos apresentados e defendidos. Não adianta. Você já foi normatizado dentro de uma categoria, disponível e compreensível à visão de mundo e intelecto de seu interlocutor.

Já seria uma pena pela falta de diálogo e debate que esse tipo de argumentação exige. Mas é pior. Esse tipo de argumentação é a morte da política. Abre-se espaço para respostas simplistas e salvadoras. Não se escolhe um candidato pelo que é e pelo que fez, mas unicamente porque ele não é (ou é) o outro a ser batido. Não se analisa um movimento por suas reivindicações, mas pelo caos que proporciona ao trânsito.

Com uma educação cada vez pior, o trabalho é assumido por nossa imprensa. Nesse sentido, o monopólio midiático é muito bem utilizado em nome do pensamento acrítico. Movimentos inteiros são deslegitimados com uma palavra: vandalismo. Não se discute. Termos prontos são fornecidos por nossos telejornais, revistas etc, como se fossem suficientes para explicar conflitos. Tamanha é a pobreza e desonestidade intelectual de nossa mídia. O Luís Nassif tem um texto recente muito bom sobre isso:




E são os interlocutores dessa imprensa que encontramos por aí: arautos do “eu li na Veja”. É difícil explicar coisas complexas a cabeças que são resquícios de um mundo bipolar em que as coisas eram mais simples. Russos eram comunistas e americanos capitalistas (ou defensores da liberdade, que para os mais simplistas é quase a mesma coisa). Homens eram homens e se comportavam como homens. Mulheres eram mulheres e se comportavam como mulheres. 


Para os tautológicos é incoerente um índio usando Nike (a não ser que tenha se tornado cidadão, como disse um jornalista porto alegrense). As cotas são uma medida de racismo inverso (não adianta explicar as desigualdades raciais que encontramos nas universidades brasileiras, nem que a cota é social, para quem estudou em escola pública). Mulher tem que gostar de novela e homem de futebol.

Nesse mundo os papéis e lugares estão definidos. Aeroporto não é lugar de pobre (senão parecerá uma rodoviária). Universidade não é lugar de negro (um médico negro então! Mas imagina, racismo não existe no Brasil). A cozinha não foi feita para o homem. Mulher no volante é perigo constante (não adianta as pesquisas que mostram que os homens são os maiores causadores de acidente).

Querem um mundo dado, em que tudo já está definido. Argumentos e construtores destroem o mundo conhecido. Enquanto observam a destruição do antigo e do conhecido se apegam a identidades fixas e monolíticas; “o homem”, o “brasileiro”, a “mulher”, o “cidadão”, etc. Identidades e termos que, ao mesmo tempo, impedem a mudança e deslegitimam o novo. “O mundo sempre foi assim! As coisas são o que são!”. E a melhor definição de um termo é sua repetição: O homem é homem. Ou, então, se define pelo contrário: O homem não é uma mulher.

E assim caminha a humanidade. No mundo tautológico, se você faz uma crítica ao capitalismo, você é comunista. Se se opõe à truculência da polícia ou à forma de funcionamento do metrô do Estado de São Paulo você é petista (ou petralha). Se defende uma melhor distribuição de renda, quer tirar daqueles que trabalharam duro e honestamente. E nisso a simples inversão dos termos viram argumentos.

Sob esses princípios, o debate político se desenvolve. A argumentação se resume em apontar erros do “seu lado”, como se as falhas alheias justificassem às que defende. Vivemos em um mundo de limitadas capacidades de interpretação de texto e de argumentação. O resultado é o esvaziamento da política, que traz como consequência a busca por soluções salvadoras, privatistas e autoritárias.

Mas esses são somente os meus argumentos. Ou talvez eu tenha dito o que disse por ser um petralha. E por isso, dentro da argumentação tautológica, nada disso tem valor. 



sexta-feira, 6 de junho de 2014

Viralatice


Vitor Teixeira


No livro O homem e o mundo natural, do historiador Keith Thomas, ele lembra algo importante: somos nós que utilizamos os animais para designar comportamentos e características humanas. A cobra não é traiçoeira, o porco não é sujo, o cachorro não é fiel. Essas são características de homens e mulheres, não de animais. Cobra, porco, cachorro só estão sendo eles mesmos, fazendo algo que é da natureza daqueles bichos. Mesmo assim, as utilizamos para explicar atitudes que não são as nossas. Animalizar os outros é uma tentativa de dar sentido a coisas utilizando animais que nada têm a ver com a história. Quando chamamos alguém de “galinha”, queremos designar um comportamento pouco harmônico com o cacarejar e ciscar da ave.

Assim, em alguma medida, é até injusto associar ao vira-lata um tipo de percepção e sensibilidade frente ao país. O pobre cãozinho nada tem a ver com os nossos problemas de inferioridade. Isso, temos que resolver em sessões de terapia. No entanto, mesmo sabendo tal coisa, a imagem do vira-lata nos ajuda aqui a identificar falas que arrepiam e que são proferidas na lógica do quando pior melhor. Mas por quê?

O vira-lata é aquela espécie sem pedigree, sem raça definida e que recebe a alcunha justamente por andar jogado nas ruas, cheio de pulgas, tombando latas e procurando restos para comer. Há um projeto de parte de nossa elite e de nossa mídia que quer nos convencer de nossa viralatice histórica. No entanto, mais do que uma idiossincrasia, o que percebemos são discursos longamente apresentados para que nunca se busque sair de tal situação subalterna. A propagação de um lugar que é sempre inferior aos outros foi o melhor jeito de deixar as coisas como são.

Há uma vergonha de seu país e de seu povo, como aquele hóspede que diz: “desculpa a bagunça, viu”. Tudo o que vem de fora é melhor, da Belle époque ao cinema pipoca! Estão sempre mais preocupados com o que vão pensar da gente do que apresentar um país que é o nosso. Foi isso que disse o ex-presidente Lula no 4º Encontro de blogueiros e ativistas digitais, mas a nossa mídia vira-lata deu como manchete: “Lula diz que é ‘babaquice’ chegar de metrô dentro de estádio”.

Aqueles que aceitaram e aceitam essa falta de origem como um malefício, acabam caindo em justificações eugênicas e filosofias baratas. A culpa é da miscigenação, diriam alguns retrógrados. Outros diriam que a “essência” ou “identidade” do brasileiro é ser indolente. A escravidão acabou e até hoje dizem que os pobres não gostam de trabalhar. E o que os grupos mais desfavorecidos fazem para provar que essa ideia está errada? Trabalham mais, enriquecendo e engordando os bolsos daqueles que propagam essa ideologia. O viralatismo é um negócio.

O cão, coitado, não sabe sua raça ou hierarquiza nacionalidades. Mas ao contrário, pela dita falta de pureza, nos apegamos a uma inferioridade pela ausência de raízes europeias. Logo exaltamos: sou neto/bisneto de italiano, de alemão, de japonês, etc. No entanto, não se atenta que, na maioria das vezes (há exceções), seus parentes longínquos eram o proletariado urbano e rural impulsionado a buscar do outro lado do oceano o que era impossível se conseguir na Europa. O Brasil já foi objeto de desejo e um lugar buscado para se ter uma vida melhor. Fato que pode causar repulsa nos proponentes do viralatismo.

Anos se passaram e são esses muitos que assumiram para si o discurso vira-lata que criticam camisetas como “100% negro”. É racismo diriam alguns, mas ficar exaltando sua descendência europeia a fim de distinção não é? Talvez fosse uma estratégia de afirmação na época, assim como é a camiseta hoje. O fato é que quanto mais se acende, mais se faz para deixar os outros no mesmo lugar. Quem cresce vira meritocrático e assume o discurso vira-lata. Esse é o perfil de nossa classe média, que não é elite, mas faz de tudo para não permitir que os de “baixo” se aproximem.

Por isso, não mede esforços para falar mal de conquistas sociais como bolsa família, cotas, reclama que os aeroportos estão parecendo rodoviárias, etc. Fala que os programas sociais do governo são esmola, mas se exalta falando do quão caridosa é. Propaga discursos do “sempre que eu posso ajudo”, “do ainda bem que posso dar oportunidade para essas pessoas”, mas morre de medo quando se fala em igualdade social. Igual, nunca? Melhor manter as pessoas dependentes da ajuda alheia. Assim, serão sempre agradecidas. E, diretamente, menos revoltosas.

É engraçado que em um país em que a riqueza é vista como sinal de merecimento e trabalho duro, sejam tão comuns frases como “o brasileiro não gosta de trabalhar”. Tais pessoas, provavelmente, nunca pegaram um transporte público e quando veem uma atriz global, como a Lucélia Santos, em um ônibus isso é logo motivo de alvoroço e sinal de decadência. Misturar-se nunca; é quase um lema. Temos sangue europeu!

E, assim, vamos ganhando olhares tortos nos aeroportos, nas universidades e nos hospitais. Para parte de nossa elite deve ser realmente chocante ver um médico negro. Os cubanos a chocam não apenas por seu destino. Mas o discurso vira-lata ratificava que aquilo não era possível. Esses dias, mexendo no facebook, vi que alguém postou uma receita de um médico cubano que escreveu algo como “ultrasão dos peitos”. Acompanhado a isso, havia uma crítica ao “programa mais médicos” e frases do tipo “olha a qualidade dos médicos que nos estão atendendo”. Mas não adianta a ONU dizer que a medicina em Cuba é a melhor do mundo; o que interessava era desqualificar os médicos cubanos. Na hora pensei: e se fosse um médico americano ou europeu? A reação seria a mesma? Expressões do tipo: “olha que bonitinho, está tentando falar em português”; fatalmente emergiriam.




Invertendo a coisa, a nossa viralatice é tão grande que achamos que temos que falar inglês, francês, etc., de forma perfeita, sem sotaque, pois isso nos diminuiria. A gafe mostraria que não somos do “pedaço”. Achamos engraçado um italiano que fala “I donti understandi” ou um japonês que fala “I don understando”, mas não podemos fazer o mesmo. O que vão pensar da gente? (Por falar nisso, lembrei-me daquela cena do Brad Pitt tentando falar italiano em Bastardos Inglórios. Hilário).

Achamos mais absurdo um presidente que não fala inglês, do que um que não criou uma única universidade federal sequer. O que interessa não são as melhoras obtidas internamente, mas a vergonha que não podemos passar frente aos gringos. O bolsa-família vive ganhando prêmios internacionais, somos uma das maiores economias do mundo, temos vários artistas reconhecidos internacionalmente, mas o que nos interessa ainda são as críticas do Ney Matogrosso, em Portugal, e o Paulo Coelho, na França. Talvez, seja melhor ainda inventar que o Wagner Moura teria dito que não dava mais para viver no Brasil. 

Enfim, o fato é que inexoravelmente o nosso complexo de vira-lata se acentuou com a Copa, quando receberemos milhares de turistas. Novamente fazemos o papel do hóspede desajeitado: “não repara a bagunça”. Tudo parece que vai dar errado e o mundial será um fracasso. Alguns torcem até por uma derrota dentro das quatro linhas para exacerbar nossas deficiências. Quem sabe não ganhe um europeu? Nessa ideologia do quanto pior melhor, declarações como as do ex-zagueiro americano Alexi Lalas devem surpreender:



Ronaldo, que estava no comitê da Copa e não disse nada antes, relatou estar envergonhado frente a Fifa. Mas digo o contrário, a Fifa deve estar rindo à toa. A Copa no Brasil trará para aquela entidade o maior faturamento de sua história. Seu secretário geral, Jeróme Walcke, disse ano passado que o problema do Brasil era ser muito democrático. Não é coincidência que a Federação Internacional tenha escolhido países emergentes entre os Brics para seus últimos torneios: África do Sul, Brasil e Rússia. Lugares com grande crescimento econômico e que estão querendo mostrar a nova cara ao mundo. E, por isso, a dona Fifa poderia sambar à vontade.

A frase do Walcke, em si, já era para causar orgulho. Antes, em outro post, eu disse que o legado político era a herança mais importante que a Copa nos deixou, mas não é só isso. Para horror dos vira-latas, nossa luta foi um exemplo para o mundo. A Fifa não pode simplesmente desembarcar no Brasil, como uma nave extraterrestre e capturar nossa soberania, direitos e povo. E, como disse o jornal alemão sobre os protestos no país: “Obrigado Brasil! [...] finalmente uma democracia se levanta contra a Fifa, uma entidade antidemocrática”. Vai ter Copa, mas vai ter luta. O vira-lata agora dá exemplo de democracia.



Abraços
Jota


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Pós-escrito

Já estava pensando em escrever sobre o viralatismo e alguns textos me impulsionaram a isso. Compartilho aqui com vocês, vale de verdade a leitura:





Ontem, após terminar esse texto, descobri um documentário recente sobre o “Complexo de vira-lata”, vale muito assistir:





Outra coisa extremamente engraçada que vi esses dias foi o tumblr “Só no Brazil!”. Ali o autor captura frases de pessoas sobre coisas que acham que somente poderia acontecer em nosso país. Dá para ver a viralatice mode on. Muito bom! ]





terça-feira, 3 de junho de 2014

O legado político da Copa

Vitor Teixeira


Certas imagens têm o poder de sintetizar um aglomerado de palavras. Foi o que aconteceu quando vi essa ilustração do Vitor Teixeira que inicia esse post. No meu texto anterior, critiquei aqueles que se apropriavam do discurso da precarização da saúde e educação para criticar a Copa e o governo federal unicamente. Pura ingenuidade e desonestidade, como tentei mostrar, a precarização é um projeto de longo prazo. Em alguma medida, aquele post procurou se opor aos discursos direitistas e senso comum que pretendem atribuir raízes momentâneas à problemas com raízes históricas distantes. Aqueles que clamam por hospitais e escolas padrão Fifa, em maioria, são aqueles que estudaram em instituições de ensino privada e pouco pisaram em um hospital público. 

No entanto, como mostra a ilustração, há dois movimentos. Um em que o alvo de luta é muito mais abrangente, à esquerda de tudo isso. E no qual a pauta é mais social e menos política (política no sentido estrito e pobre do termo). E outro cuja crítica se centra unicamente em um governante ou um partido. Nisso a vaia que a Dilma recebeu na abertura da Copa das Confederações é sintomática.

O mote “Copa pra quem?” exaltado por muitos movimentos sociais nos ajuda a refletir sobre esse protesto ruidoso. Quem pode estar nos estádios? Eu, você, os trabalhadores, os moradores das comunidades desapropriadas? Não! Quem estava nas “arenas” eram os ricos e privilegiados (com raras exceções), justamente aqueles que vaiam o atual governo por ter implantado medidas que atingiam de frente aos seus privilégios, como bolsa família, expansão universitária, cotas, programa mais médicos, etc. Lógico que esse “bater de frente” teve seus limites. Sabemos que a base governista é uma zona, agregando intenções e interesses distintos. Lógico que talvez a vaia fosse justificada, mas era uma vaia por privilégios.

Indo para um pano bem pessoal. Lembro que almoçava com meu pai quando o Brasil foi anunciado sede da Copa de 2014. Na época fiquei bem feliz. Seria um sonho ver um jogo do mundial, nem que fosse um jogo menor; só para falar: eu fui. No entanto, conjuntamente às chamadas de compras de ingresso vi que isso era uma ilusão. Essa Copa não era pra mim. Sinceramente nem cheguei a ver os preços no site. Apenas as conversas indiretas com amigos foram suficientes para desmanchar esse engano. Essa Copa não havia sido feita pra mim.

Por isso, sou contra o argumento de que não adianta fazer protesto agora. Ninguém sabia o rumo que a coisa ia levar. Por isso, como mostrou Jorge Luiz Souto Maior, em um dos melhores textos que li sobre a Copa, a aprovação do evento no Brasil caiu de 79% em 2008 para 48% em 2014. Ninguém foi consultado antes, isso desde a primeira eleição do Brasil para a Copa de 2006, e “nenhum silêncio do povo pode ser utilizado como fundamento para justificar o abalo das instituições do Estado de Direito, vez que assim toda tirania, baseada na força e no medo, estaria legitimada”.

Nesse texto, o jurista discorre que não há mais sentido discutir se vai ou não ter Copa, simplesmente porque a “Copa já era”. Nada poderá reverter os danos que as famílias dos trabalhadores mortos ou desapropriadas sofreram. A Lei Geral da Copa permitiu que a nossa constituição e soberania fossem ignoradas. As condições de trabalho impostas nas obras foram horrendas, com denúncias de escravidão e infrações à legislação trabalhista. Ou seja, a “Copa já era”.

Quando andamos pelas ruas, não vemos decorações. Ao pegar transporte público não escutamos debates sobre escalação e sobre favoritos. A Copa é aquele objeto que de longe parece lindo, mas de perto tem um cheiro insuportável. E nisso, as arbitrariedades da Fifa ajudaram muito. Ficam muito preocupados em não fazer vergonha frente à dona Fifa, que permitem que os maiores abusos sejam perpetrados. Mas a proximidade da Copa teve seu lado bom!

Enquanto os coxinhas, com viralatices, exaltam o slogan “só no Brasil, viu”, e torcem para tudo dar errado, trazendo a vergonha externa ao país. Emergiu um Brasil de luta. Apesar das inúmeras derrotas, algumas vitórias políticas foram obtidas. Se não nos foi deixado um legado social, indiscutivelmente o Brasil se levantou em organização política, contra uma Copa que não foi feita para o seu povo. Esse é o maior legado construído. O artigo abaixo dá exemplos dessas organizações e conquistas:


Futebol e política sempre foram coisas compatíveis. Vitórias no futebol, como sabemos, serviram para justificar governos autoritários ou amenizar crises. Em paralelo, ajudavam a legitimar o que estava errado. No entanto, desde 2012 vemos que futebol e política, quando contrários, fragilizavam e tensionavam essa matéria. O futebol se chocou com a sociedade e essa se levantou pelo direito daquilo que lhe foi subtraído por governos municipais, estaduais e federal. O evento de um mês não era uma justificativa realmente plausível para que direitos e vidas fossem afetadas para além de Junho, como aconteciam com as desapropriações, invasões do público pelo privado, etc. Nem tudo ocorreu como desejado, mas manifestações públicas e comitês populares ganharam corpo, propondo alternativas e indicando os prejuízos sociais trazidos por aquele evento cujo povo estava excluído.

As manifestações de junho de 2013 são fruto de um descontentamento, nem sempre diretamente ligado ao futebol, e de uma luta por expansão de direitos. O “não é só por 20 centavos” começou por melhorias no transporte público e agregou diversas reivindicações históricas e levaram às ruas movimentos há muito em luta. De repente, a grande mídia, que antes achava as manifestações puro vandalismo, começou a exaltar os acontecimentos. Eu não participei de nenhuma manifestação devido a problemas de saúde, mas pelo facebook era possível sentir o teor da manifestação do dia 17. Sob o lema do “gigante acordou”, milhares de coxecos que nunca estiveram nas ruas começaram a levantar milhares de bandeiras conservadoras, como intervenção militar, redução da maioridade penal, ideologias supostamente "sem partido", etc. Felizmente a diminuição na tarifa de ônibus foi obtida e a decisão do MPL de não convocar mais atos foi extremamente acertada. A pluralidade de vozes acelerou o fim de junho. 

Um ano se passou e estamos novamente em junho. Enquanto muitos estarão nas ruas, cheirando gás lacrimogêneo e tomando tiros de balas de borracha, excluídos social e financeiramente do evento; outros estarão nos estádios ou ignoraram a Copa, por acharem que um fracasso futebolístico representaria um fracasso político nas próximas eleições. Quem já não escutou o “agora é só torcer para o Brasil perder para esse governo petralha sair”. Ingênuos, como bem lembrou Leonardo Sakamoto, a continuidade de um governo, pelo menos no período democrático, não tem a ver com sucessos futebolísticos. O Brasil perdeu em 1998 e o FHC continuou, houve vitória em 2002 e o Brasil elegeu outro partido, em 2006 não foi nem a histeria da mídia em exaltar o mensalão, nem a perda da copa que prejudicaram a reeleição de Lula. Em 2010, a Dilma foi eleita e o PT se manteve do governo federal mesmo com a desclassificação para a Holanda. Assim, podem torcer para o Brasil perder, mas isso provavelmente terá pouco a ver com uma vitória ou derrota eleitoral. No entanto, os protestos vão acontecer, independente de quem estiver no poder. A Copa transformou o brasileiro em um ser intimamente político. Querer impedir os protestos é tentar barrar o maior legado que nos foi deixado, já que outros nos passaram longe.

Apesar de sentir que essa Copa não foi feita para mim, já fiz minha escolha. Apesar de tudo, vou torcer para o Brasil. Gosto de futebol, gosto de Copa do Mundo e apesar da podre proximidade do evento vou torcer para a seleção. Essa Copa não foi feita pra mim mesmo, então vou assisti-la como se fosse na Alemanha ou na África do Sul. Lógico que essa posição não está disponível para as famílias desalojadas, por exemplo. Há muitos problemas conhecidos (juro que falarei deles ainda essa semana), mas não torcer para o Brasil gostando de futebol é como não escutar Rock por tudo o que os EUA representam. De resto, fico com a política, dessa não tenho como ser excluído.

Vi essa imagem esses dias no Facebook e achei muito interessante.


Também fico com a impressão do comentarista esportivo e cientista social, Juca Kfouri em uma passeata do MTST. Apesar de tudo vão torcer para o Brasil. A crítica à Copa tem pouco a ver com as eleições de outubro e o futebol jogado em campo em junho. Mas o legado político, esse emergiu sem qualquer verba governamental! Ou quem sabe, devido à sua falta.





O povo fora dos estádios, mas nas ruas! Essa é uma conquista maior do que o Hexa!


Carlos Latuff


Abraços
Jota

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Educação, saúde, Copa e mimimi...

masterfile.com

É um absurdo o governo deixar de investir em áreas básicas à população para investir em uma Copa do Mundo, não é mesmo? De fato, seria um absurdo se isso realmente estivesse acontecendo, mas não é bem isso o que está ocorrendo. Essa é uma das maiores falácias que é pretensiosamente propagada aos quatro ventos. Afinal, tais reclamações se apegam a explicações presentistas para problemas com raízes históricas longínquas. Não é a Copa que precarizou saúde e educação, mas um projeto de longa data que passa pelos governos militares e as políticas neoliberais da década de 90.
A falta de assistência à saúde e à educação é um problema da Copa? Não, não é. Para aqueles meio esquecidos ou que propagam essas inverdades é bom relembrar ou aprender um pouco sobre a constituição do sistema de saúde e educacional brasileiro. Uma abordagem histórica tem suas vantagens. No que se sabe por uma ampla bibliografia, havia, até os governos militares, um maior investimento em educação pública. A maior parte das universidades que temos hoje foi criada antes do golpe ou após o governo PSDB. No plano da saúde, devemos lembrar que a criação do SUS é recente. Só a partir da constituição de 1988 se instituiu legalmente o Sistema Único de Saúde, com prestações de serviços a todos os brasileiros. Ou seja, antes ou você era trabalhador, sendo atendido pelos institutos de previdência, ou ficava dependente da misericórdia das Santas Casas.
Mas, enfim, o que aconteceu a partir dos governos militares? O que aconteceu é que saúde e educação passaram a ser vistos cada vez mais como um bem econômico e menos como um direito. A partir da década de 70 é possível notar a supremacia do sistema de ensino e de saúde privado. Em contrapartida, vemos uma constante retenção dos investimentos nos setores públicos. Ou seja, a precarização do público foi um projeto! É nesse período que começamos a ouvir frases do tipo: “o privado é melhor”. O dito, assim, não era apenas uma descrição, mas funcionava como uma prescrição para que quem pudesse pagar um plano de saúde ou educação privada abandonasse o público em detrimento do sistema particular. Há um boom das instituições pagas nesse período.
Mesmo com a redemocratização, tal explosão não foi freada. A LDB de 1996 desmontou o tripé “ensino-pesquisa-extensão”, base anterior para a constituição de uma universidade. O resultado foi a proliferação de instituições de ensino superior a torto e direito (pejorativamente chamadas de “uni-esquinas”). Bem, quem viveu os anos 90, mesmo que não como universitário, deve lembrar-se desse processo. Por outro lado, os planos de saúde continuavam agindo sem qualquer regulamentação. Desmandos e arbitrariedades que prejudicavam os indivíduos eram comuns. Mas, dane-se... a ideologia do “privado é melhor” era altamente propagada. Apenas em 1998, o governo criou uma agência reguladora do serviço de saúde, a ANS.
Na última década, no entanto, os investimentos em educação e em saúde tiveram um crescimento substancial. Depois de anos de governo tucano, em que não foi criada uma única universidade federal sequer, o governo Lula promoveu a expansão de diversas universidades brasileiras (ainda que possamos discutir a qualidade dessa expansão) e a criação de novas instituições de ensino superior. As verbas para ciência e o ensino aumentaram. Foram construídas mais escolas técnicas nos últimos doze anos, do que anteriormente em toda história do Brasil. Dados pesquisados pelo IBGE e que podem ser obtidos, por exemplo, nos artigos abaixo.


Com relação à saúde, posso falar mais como usuário do SUS do que como pesquisador. Como usuário não tenho do que reclamar. Para o tratamento de esclerose múltipla, doença que tenho, sempre fui atendido por equipes médicas extremamente qualificadas, tive a medicação que usava garantida pelo governo (custava 7 mil/mês), sempre tive meus exames realizados com relativa rapidez. Lógico que essa rapidez estava condicionada à disponibilidade de datas. Não tento generalizar uma experiência individual. Sei que o fato de estar em uma capital e de ter uma doença crônica, não letal, aceleraram as coisas e fizeram com que eu pudesse esperar o tempo necessário. Existem pessoas que sofrem com os atrasos e filas do SUS e que esperam longos meses (ou anos) por uma consulta ou exame (às vezes, um tempo necessário à própria manutenção da vida).
Assim, minha experiência e comentários são mais enquanto indivíduo. Não li tantas coisas sobre o financiamento da saúde na última década, mas é possível apontar que ele praticamente dobrou. Mesmo que seja inegável o baixo investimento comparado a outros lugares no mundo. No entanto, essa atual configuração da saúde brasileira, em que o sistema privado ocupa espaço majoritário, é inexoravelmente fruto das escolhas políticas governamentais de anos atrás. Uma matéria interessante sobre isso apresento no link a seguir:


Logicamente, esse aumento nos gastos públicos não nos cega frente aos problemas e à baixa qualidade dos serviços muitas vezes oferecida. Mas, certamente, nos faz relativizar a importância da Copa sobre a qualidade da atual saúde e educação. Um maior investimento nessas áreas significa brigar com “peixes grandes” do setor privado e necessita de um esforço dos próprios poderes executivo e legislativo em comprar essa briga. Algo que se procura fazer, por exemplo, no Chile:

Bem, então vamos à Copa. Se a precarização é um longo projeto, o que teria a ver com o mundial da FIFA? Sinceramente, muito pouco! Poderia se objetar que o dinheiro investido em estádios poderia ser investido em hospital e escola, mas pelo que sei o dinheiro “público” investido nas arenas veio em grande medida via BNDES, um empréstimo que terá volta. Além do mais, apesar dos cortes que ocorreram no orçamento em 2014, os gastos com saúde, educação e outras áreas fundamentais foram mantidos.





Apesar de muitos criticarem o Ronaldo fenômeno, de fato uma Copa do Mundo não se faz com hospitais. Isso não quer dizer que não se deva investir em saúde, mas simplesmente que são orçamentos distintos. Esse dinheiro não viria para a educação e a saúde se não houvesse Copa. Eu particularmente tenho muitas críticas ao mundial e à FIFA, mas, como se pode ver, acho que são infundados os ataques que tentam associar a baixa assistência a essas áreas à Copa. A precarização é um projeto antigo e que nada tem a ver com o evento. Tais acusações só servem de exaltação da direita e da extrema direita. Muitos devem ter visto essa imagem no facebook, como se os presidentes da ditadura é que soubessem o que era bom para o Brasil:




A ditadura sabia tanto, que o então presidente Emílio Garrastazu Médici diria, durante seu governo, a famosa frase: “o Brasil vai bem, mas o povo vai mal”. E o mesmo “queridinho” dos reaças por ter negado a Copa, João Batista Figueiredo, teria dito que daria um tiro da cabeça se ganhasse salário mínimo e que preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo.




Outros esquecem ou ignoram propositalmente, que as tentativas de trazer a Copa ao Brasil são de longa data. Ninguém fala que Fernando Henrique Cardoso tentou, fracassadamente, trazer as copas de 2006 e 2010 para o Brasil. Ou seja, o problema não foi uma incompetência administrativa do atual governo, que não percebeu a conjuntura brasileira.


Eu tenho muitas, muitas mesmo, críticas à Copa, mas não são idênticas aos discursos imediatistas e que ignoraram a historicidade dos processos por saúde e educação. Compartilho das opiniões dos textos abaixo. Aqueles textos que, se pudesse, gostaria de ter escrito.


Enfim, tenho uma diversidade de críticas à Copa. No entanto, acho engraçado levantarem a bandeira da saúde e educação contra o mundial, negando um projeto de precarização muito anterior ao próprio evento para simplesmente criticar o governo. Mas o mais hilário de verdade, é que esses mesmos que propagam o mimimi da saúde e educação, são os mesmos que negam a ida dos recursos do pré-sal para essas áreas, o “mais médicos” e os 10% do PIB para educação. Vai entender...

Abraço e até a próxima

Jota.