sexta-feira, 23 de maio de 2014

Educação, saúde, Copa e mimimi...

masterfile.com

É um absurdo o governo deixar de investir em áreas básicas à população para investir em uma Copa do Mundo, não é mesmo? De fato, seria um absurdo se isso realmente estivesse acontecendo, mas não é bem isso o que está ocorrendo. Essa é uma das maiores falácias que é pretensiosamente propagada aos quatro ventos. Afinal, tais reclamações se apegam a explicações presentistas para problemas com raízes históricas longínquas. Não é a Copa que precarizou saúde e educação, mas um projeto de longa data que passa pelos governos militares e as políticas neoliberais da década de 90.
A falta de assistência à saúde e à educação é um problema da Copa? Não, não é. Para aqueles meio esquecidos ou que propagam essas inverdades é bom relembrar ou aprender um pouco sobre a constituição do sistema de saúde e educacional brasileiro. Uma abordagem histórica tem suas vantagens. No que se sabe por uma ampla bibliografia, havia, até os governos militares, um maior investimento em educação pública. A maior parte das universidades que temos hoje foi criada antes do golpe ou após o governo PSDB. No plano da saúde, devemos lembrar que a criação do SUS é recente. Só a partir da constituição de 1988 se instituiu legalmente o Sistema Único de Saúde, com prestações de serviços a todos os brasileiros. Ou seja, antes ou você era trabalhador, sendo atendido pelos institutos de previdência, ou ficava dependente da misericórdia das Santas Casas.
Mas, enfim, o que aconteceu a partir dos governos militares? O que aconteceu é que saúde e educação passaram a ser vistos cada vez mais como um bem econômico e menos como um direito. A partir da década de 70 é possível notar a supremacia do sistema de ensino e de saúde privado. Em contrapartida, vemos uma constante retenção dos investimentos nos setores públicos. Ou seja, a precarização do público foi um projeto! É nesse período que começamos a ouvir frases do tipo: “o privado é melhor”. O dito, assim, não era apenas uma descrição, mas funcionava como uma prescrição para que quem pudesse pagar um plano de saúde ou educação privada abandonasse o público em detrimento do sistema particular. Há um boom das instituições pagas nesse período.
Mesmo com a redemocratização, tal explosão não foi freada. A LDB de 1996 desmontou o tripé “ensino-pesquisa-extensão”, base anterior para a constituição de uma universidade. O resultado foi a proliferação de instituições de ensino superior a torto e direito (pejorativamente chamadas de “uni-esquinas”). Bem, quem viveu os anos 90, mesmo que não como universitário, deve lembrar-se desse processo. Por outro lado, os planos de saúde continuavam agindo sem qualquer regulamentação. Desmandos e arbitrariedades que prejudicavam os indivíduos eram comuns. Mas, dane-se... a ideologia do “privado é melhor” era altamente propagada. Apenas em 1998, o governo criou uma agência reguladora do serviço de saúde, a ANS.
Na última década, no entanto, os investimentos em educação e em saúde tiveram um crescimento substancial. Depois de anos de governo tucano, em que não foi criada uma única universidade federal sequer, o governo Lula promoveu a expansão de diversas universidades brasileiras (ainda que possamos discutir a qualidade dessa expansão) e a criação de novas instituições de ensino superior. As verbas para ciência e o ensino aumentaram. Foram construídas mais escolas técnicas nos últimos doze anos, do que anteriormente em toda história do Brasil. Dados pesquisados pelo IBGE e que podem ser obtidos, por exemplo, nos artigos abaixo.


Com relação à saúde, posso falar mais como usuário do SUS do que como pesquisador. Como usuário não tenho do que reclamar. Para o tratamento de esclerose múltipla, doença que tenho, sempre fui atendido por equipes médicas extremamente qualificadas, tive a medicação que usava garantida pelo governo (custava 7 mil/mês), sempre tive meus exames realizados com relativa rapidez. Lógico que essa rapidez estava condicionada à disponibilidade de datas. Não tento generalizar uma experiência individual. Sei que o fato de estar em uma capital e de ter uma doença crônica, não letal, aceleraram as coisas e fizeram com que eu pudesse esperar o tempo necessário. Existem pessoas que sofrem com os atrasos e filas do SUS e que esperam longos meses (ou anos) por uma consulta ou exame (às vezes, um tempo necessário à própria manutenção da vida).
Assim, minha experiência e comentários são mais enquanto indivíduo. Não li tantas coisas sobre o financiamento da saúde na última década, mas é possível apontar que ele praticamente dobrou. Mesmo que seja inegável o baixo investimento comparado a outros lugares no mundo. No entanto, essa atual configuração da saúde brasileira, em que o sistema privado ocupa espaço majoritário, é inexoravelmente fruto das escolhas políticas governamentais de anos atrás. Uma matéria interessante sobre isso apresento no link a seguir:


Logicamente, esse aumento nos gastos públicos não nos cega frente aos problemas e à baixa qualidade dos serviços muitas vezes oferecida. Mas, certamente, nos faz relativizar a importância da Copa sobre a qualidade da atual saúde e educação. Um maior investimento nessas áreas significa brigar com “peixes grandes” do setor privado e necessita de um esforço dos próprios poderes executivo e legislativo em comprar essa briga. Algo que se procura fazer, por exemplo, no Chile:

Bem, então vamos à Copa. Se a precarização é um longo projeto, o que teria a ver com o mundial da FIFA? Sinceramente, muito pouco! Poderia se objetar que o dinheiro investido em estádios poderia ser investido em hospital e escola, mas pelo que sei o dinheiro “público” investido nas arenas veio em grande medida via BNDES, um empréstimo que terá volta. Além do mais, apesar dos cortes que ocorreram no orçamento em 2014, os gastos com saúde, educação e outras áreas fundamentais foram mantidos.





Apesar de muitos criticarem o Ronaldo fenômeno, de fato uma Copa do Mundo não se faz com hospitais. Isso não quer dizer que não se deva investir em saúde, mas simplesmente que são orçamentos distintos. Esse dinheiro não viria para a educação e a saúde se não houvesse Copa. Eu particularmente tenho muitas críticas ao mundial e à FIFA, mas, como se pode ver, acho que são infundados os ataques que tentam associar a baixa assistência a essas áreas à Copa. A precarização é um projeto antigo e que nada tem a ver com o evento. Tais acusações só servem de exaltação da direita e da extrema direita. Muitos devem ter visto essa imagem no facebook, como se os presidentes da ditadura é que soubessem o que era bom para o Brasil:




A ditadura sabia tanto, que o então presidente Emílio Garrastazu Médici diria, durante seu governo, a famosa frase: “o Brasil vai bem, mas o povo vai mal”. E o mesmo “queridinho” dos reaças por ter negado a Copa, João Batista Figueiredo, teria dito que daria um tiro da cabeça se ganhasse salário mínimo e que preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo.




Outros esquecem ou ignoram propositalmente, que as tentativas de trazer a Copa ao Brasil são de longa data. Ninguém fala que Fernando Henrique Cardoso tentou, fracassadamente, trazer as copas de 2006 e 2010 para o Brasil. Ou seja, o problema não foi uma incompetência administrativa do atual governo, que não percebeu a conjuntura brasileira.


Eu tenho muitas, muitas mesmo, críticas à Copa, mas não são idênticas aos discursos imediatistas e que ignoraram a historicidade dos processos por saúde e educação. Compartilho das opiniões dos textos abaixo. Aqueles textos que, se pudesse, gostaria de ter escrito.


Enfim, tenho uma diversidade de críticas à Copa. No entanto, acho engraçado levantarem a bandeira da saúde e educação contra o mundial, negando um projeto de precarização muito anterior ao próprio evento para simplesmente criticar o governo. Mas o mais hilário de verdade, é que esses mesmos que propagam o mimimi da saúde e educação, são os mesmos que negam a ida dos recursos do pré-sal para essas áreas, o “mais médicos” e os 10% do PIB para educação. Vai entender...

Abraço e até a próxima

Jota.

4 comentários:

  1. Além do quê Jota, os que criticam a realização da Copa no Brasil são os mesmos que aplaudiram quando o Brasil foi escolhido para realiza-la. Interessante é que muitas obras de mobilidade urbana que está se fazendo agora não iriam sair num futuro tão próximo se não fosse o PAC mobilidade que foi criado e colocado em prática por causa da copa. Esta "massa de manobra" que agora fazem protestos por causa da copa deveriam se manifestar quando o Brasil foi escolhido, não deixar para fazer antes de um eleição presidencial. Por quê será que só estão se manifestando agora???
    Abraços

    Marcelo Mazuco

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  2. Obrigado pelos comentários, Marcelo! Que bom que você leu e curtiu o texto. Acho sim que há um grande oportunismo com relação a eleição. Eu sinceramente sou a favor dos protestos. Acho até que o próximo post vai ser sobre isso, pois alguns amigos que estão nos protestos vieram me perguntar se eu negava a necessidade de protestar contra algumas coisas da Copa. Sou contra aqueles que levantam a bandeira da saúde e da educação contra a Copa, mas não deu para abordar muito as críticas que tenho à Copa. Como disse, vou fazer isso no próximo post. Fica mais apropriado!
    Abraço e obrigado mesmo pela leitura e comentário!
    Jota

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  3. Boa Jota!
    Gostei de ver a volta às linhas virtuais! Agora muito mais político e pesquisador, rs! Só agora li os dois posts. No post sobre a Copa, acho que o seu "tenho muitas críticas ao mundial e à FIFA" precisa de espaço agora, rs! Digo isto pois entendo o que você quer argumentar ao atacar os protestos por saúde/educação e sei o que quer dizer por te conhecer; mas como não aponta as críticas, sua posição fica dúbia.
    De qualquer forma, estou gostando de receber estas informações de fonte confiável e com tantas referências! Continue, seu petista mascarado! hauhauhauauhauh (brincadeira)!
    Abração e saudades!

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  4. Fala, Mafra! É preciso explicar melhor isso mesmo. Como disse na resposta acima, vai ser meu próximo post. Sobre o petista mascarado, prefiro dizer que sou um petista de segundo turno, haha. Ainda vou escrever sobre isso tbm.
    Abraços e Saudades!
    Jota

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