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É um absurdo o governo deixar de
investir em áreas básicas à população para investir em uma Copa do Mundo, não é
mesmo? De fato, seria um absurdo se isso realmente estivesse acontecendo, mas
não é bem isso o que está ocorrendo. Essa é uma das maiores falácias que é pretensiosamente
propagada aos quatro ventos. Afinal, tais reclamações se apegam a explicações
presentistas para problemas com raízes históricas longínquas. Não é a Copa que
precarizou saúde e educação, mas um projeto de longa data que passa pelos
governos militares e as políticas neoliberais da década de 90.
A falta de assistência à saúde e
à educação é um problema da Copa? Não, não é. Para aqueles meio esquecidos ou que
propagam essas inverdades é bom relembrar ou aprender um pouco sobre a
constituição do sistema de saúde e educacional brasileiro. Uma abordagem
histórica tem suas vantagens. No que se sabe por uma ampla bibliografia, havia,
até os governos militares, um maior investimento em educação pública. A maior
parte das universidades que temos hoje foi criada antes do golpe ou após o
governo PSDB. No plano da saúde, devemos lembrar que a criação do SUS é
recente. Só a partir da constituição de 1988 se instituiu legalmente o Sistema
Único de Saúde, com prestações de serviços a todos os brasileiros. Ou seja,
antes ou você era trabalhador, sendo atendido pelos institutos de previdência,
ou ficava dependente da misericórdia das Santas Casas.
Mas, enfim, o que aconteceu a
partir dos governos militares? O que aconteceu é que saúde e educação passaram
a ser vistos cada vez mais como um bem econômico e menos como um direito. A
partir da década de 70 é possível notar a supremacia do sistema de ensino e de
saúde privado. Em contrapartida, vemos uma constante retenção dos investimentos
nos setores públicos. Ou seja, a precarização do público foi um projeto! É
nesse período que começamos a ouvir frases do tipo: “o privado é melhor”. O
dito, assim, não era apenas uma descrição, mas funcionava como uma prescrição
para que quem pudesse pagar um plano de saúde ou educação privada abandonasse o
público em detrimento do sistema particular. Há um boom das instituições pagas nesse período.
Mesmo com a redemocratização, tal
explosão não foi freada. A LDB de 1996 desmontou o tripé “ensino-pesquisa-extensão”,
base anterior para a constituição de uma universidade. O resultado foi a
proliferação de instituições de ensino superior a torto e direito
(pejorativamente chamadas de “uni-esquinas”). Bem, quem viveu os anos 90, mesmo
que não como universitário, deve lembrar-se desse processo. Por outro lado, os
planos de saúde continuavam agindo sem qualquer regulamentação. Desmandos e
arbitrariedades que prejudicavam os indivíduos eram comuns. Mas, dane-se... a
ideologia do “privado é melhor” era altamente propagada. Apenas em 1998, o governo
criou uma agência reguladora do serviço de saúde, a ANS.
Na última década, no entanto, os
investimentos em educação e em saúde tiveram um crescimento substancial. Depois
de anos de governo tucano, em que não foi criada uma única universidade federal
sequer, o governo Lula promoveu a expansão de diversas universidades
brasileiras (ainda que possamos discutir a qualidade dessa expansão) e a
criação de novas instituições de ensino superior. As verbas para ciência e o
ensino aumentaram. Foram construídas mais escolas técnicas nos últimos doze
anos, do que anteriormente em toda história do Brasil. Dados pesquisados pelo
IBGE e que podem ser obtidos, por exemplo, nos artigos abaixo.
http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2013/04/19/educacao-lula-10-vs-0-no-principe-dos-sociologos/
Com relação à saúde, posso falar
mais como usuário do SUS do que como pesquisador. Como usuário não tenho do que
reclamar. Para o tratamento de esclerose múltipla, doença que tenho, sempre fui
atendido por equipes médicas extremamente qualificadas, tive a medicação que
usava garantida pelo governo (custava 7 mil/mês), sempre tive meus exames
realizados com relativa rapidez. Lógico que essa rapidez estava condicionada à
disponibilidade de datas. Não tento generalizar uma experiência individual. Sei
que o fato de estar em uma capital e de ter uma doença crônica, não letal, aceleraram
as coisas e fizeram com que eu pudesse esperar o tempo necessário. Existem
pessoas que sofrem com os atrasos e filas do SUS e que esperam longos meses (ou
anos) por uma consulta ou exame (às vezes, um tempo necessário à própria
manutenção da vida).
Assim, minha experiência e comentários
são mais enquanto indivíduo. Não li tantas coisas sobre o financiamento da
saúde na última década, mas é possível apontar que ele praticamente dobrou.
Mesmo que seja inegável o baixo investimento comparado a outros lugares no
mundo. No entanto, essa atual configuração da saúde brasileira, em que o
sistema privado ocupa espaço majoritário, é inexoravelmente fruto das escolhas políticas
governamentais de anos atrás. Uma matéria interessante sobre isso apresento no
link a seguir:
Logicamente, esse aumento nos
gastos públicos não nos cega frente aos problemas e à baixa qualidade dos
serviços muitas vezes oferecida. Mas, certamente, nos faz relativizar a
importância da Copa sobre a qualidade da atual saúde e educação. Um maior
investimento nessas áreas significa brigar com “peixes grandes” do setor
privado e necessita de um esforço dos próprios poderes executivo e legislativo
em comprar essa briga. Algo que se procura fazer, por exemplo, no Chile:
Bem, então vamos à Copa. Se a
precarização é um longo projeto, o que teria a ver com o mundial da FIFA?
Sinceramente, muito pouco! Poderia se objetar que o dinheiro investido em
estádios poderia ser investido em hospital e escola, mas pelo que sei o
dinheiro “público” investido nas arenas veio em grande medida via BNDES, um
empréstimo que terá volta. Além do mais, apesar dos cortes que ocorreram no
orçamento em 2014, os gastos com saúde, educação e outras áreas fundamentais foram
mantidos.
Apesar de muitos criticarem o
Ronaldo fenômeno, de fato uma Copa do Mundo não se faz com hospitais. Isso não
quer dizer que não se deva investir em saúde, mas simplesmente que são
orçamentos distintos. Esse dinheiro não viria para a educação e a saúde se não
houvesse Copa. Eu particularmente tenho muitas críticas ao mundial e à FIFA,
mas, como se pode ver, acho que são infundados os ataques que tentam associar a
baixa assistência a essas áreas à Copa. A precarização é um projeto antigo e
que nada tem a ver com o evento. Tais acusações só servem de exaltação da
direita e da extrema direita. Muitos devem ter visto essa imagem no facebook,
como se os presidentes da ditadura é que soubessem o que era bom para o Brasil:
A ditadura sabia tanto, que o
então presidente Emílio Garrastazu Médici diria, durante seu governo, a famosa
frase: “o Brasil vai bem, mas o povo vai mal”. E o mesmo “queridinho” dos
reaças por ter negado a Copa, João Batista Figueiredo, teria dito que daria um
tiro da cabeça se ganhasse salário mínimo e que preferia cheiro de cavalo a
cheiro de povo.
Outros esquecem ou ignoram
propositalmente, que as tentativas de trazer a Copa ao Brasil são de longa data.
Ninguém fala que Fernando Henrique Cardoso tentou, fracassadamente, trazer as
copas de 2006 e 2010 para o Brasil. Ou seja, o problema não foi uma
incompetência administrativa do atual governo, que não percebeu a conjuntura
brasileira.
Eu tenho muitas, muitas mesmo, críticas
à Copa, mas não são idênticas aos discursos imediatistas e que ignoraram a
historicidade dos processos por saúde e educação. Compartilho das opiniões dos
textos abaixo. Aqueles textos que, se pudesse, gostaria de ter escrito.
Enfim, tenho uma
diversidade de críticas à Copa. No entanto, acho engraçado levantarem a
bandeira da saúde e educação contra o mundial, negando um projeto de
precarização muito anterior ao próprio evento para simplesmente criticar o
governo. Mas o mais hilário de verdade, é que esses mesmos que propagam o
mimimi da saúde e educação, são os mesmos que negam a ida dos recursos do
pré-sal para essas áreas, o “mais médicos” e os 10% do PIB para educação. Vai
entender...
Abraço e até a
próxima
Jota.
Além do quê Jota, os que criticam a realização da Copa no Brasil são os mesmos que aplaudiram quando o Brasil foi escolhido para realiza-la. Interessante é que muitas obras de mobilidade urbana que está se fazendo agora não iriam sair num futuro tão próximo se não fosse o PAC mobilidade que foi criado e colocado em prática por causa da copa. Esta "massa de manobra" que agora fazem protestos por causa da copa deveriam se manifestar quando o Brasil foi escolhido, não deixar para fazer antes de um eleição presidencial. Por quê será que só estão se manifestando agora???
ResponderExcluirAbraços
Marcelo Mazuco
Obrigado pelos comentários, Marcelo! Que bom que você leu e curtiu o texto. Acho sim que há um grande oportunismo com relação a eleição. Eu sinceramente sou a favor dos protestos. Acho até que o próximo post vai ser sobre isso, pois alguns amigos que estão nos protestos vieram me perguntar se eu negava a necessidade de protestar contra algumas coisas da Copa. Sou contra aqueles que levantam a bandeira da saúde e da educação contra a Copa, mas não deu para abordar muito as críticas que tenho à Copa. Como disse, vou fazer isso no próximo post. Fica mais apropriado!
ResponderExcluirAbraço e obrigado mesmo pela leitura e comentário!
Jota
Boa Jota!
ResponderExcluirGostei de ver a volta às linhas virtuais! Agora muito mais político e pesquisador, rs! Só agora li os dois posts. No post sobre a Copa, acho que o seu "tenho muitas críticas ao mundial e à FIFA" precisa de espaço agora, rs! Digo isto pois entendo o que você quer argumentar ao atacar os protestos por saúde/educação e sei o que quer dizer por te conhecer; mas como não aponta as críticas, sua posição fica dúbia.
De qualquer forma, estou gostando de receber estas informações de fonte confiável e com tantas referências! Continue, seu petista mascarado! hauhauhauauhauh (brincadeira)!
Abração e saudades!
Fala, Mafra! É preciso explicar melhor isso mesmo. Como disse na resposta acima, vai ser meu próximo post. Sobre o petista mascarado, prefiro dizer que sou um petista de segundo turno, haha. Ainda vou escrever sobre isso tbm.
ResponderExcluirAbraços e Saudades!
Jota