Vitor Teixeira |
Certas imagens têm o poder de sintetizar um aglomerado de palavras. Foi o que aconteceu quando vi essa ilustração do Vitor Teixeira que inicia esse post. No meu texto anterior, critiquei aqueles que se apropriavam do discurso da precarização da saúde e educação para criticar a Copa e o governo federal unicamente. Pura ingenuidade e desonestidade, como tentei mostrar, a precarização é um projeto de longo prazo. Em alguma medida, aquele post procurou se opor aos discursos direitistas e senso comum que pretendem atribuir raízes momentâneas à problemas com raízes históricas distantes. Aqueles que clamam por hospitais e escolas padrão Fifa, em maioria, são aqueles que estudaram em instituições de ensino privada e pouco pisaram em um hospital público.
No entanto, como mostra a ilustração, há dois movimentos. Um em que o alvo de
luta é muito mais abrangente, à esquerda de tudo isso. E no qual a pauta é mais social e menos política (política no sentido estrito e pobre do termo). E outro cuja crítica se centra unicamente em um governante ou um partido. Nisso a vaia que a Dilma recebeu
na abertura da Copa das Confederações é sintomática.
O mote “Copa pra quem?” exaltado por muitos movimentos
sociais nos ajuda a refletir sobre esse protesto ruidoso. Quem pode estar nos
estádios? Eu, você, os trabalhadores, os moradores das comunidades
desapropriadas? Não! Quem estava nas “arenas” eram os ricos e privilegiados
(com raras exceções), justamente aqueles que vaiam o atual governo por ter
implantado medidas que atingiam de frente aos seus privilégios, como bolsa
família, expansão universitária, cotas, programa mais médicos, etc. Lógico que
esse “bater de frente” teve seus limites. Sabemos que a base governista é uma
zona, agregando intenções e interesses distintos. Lógico que talvez a vaia
fosse justificada, mas era uma vaia por privilégios.
Indo para um pano bem pessoal. Lembro que almoçava com meu
pai quando o Brasil foi anunciado sede da Copa de 2014. Na época fiquei bem
feliz. Seria um sonho ver um jogo do mundial, nem que fosse um jogo menor; só para
falar: eu fui. No entanto, conjuntamente às chamadas de compras de ingresso vi
que isso era uma ilusão. Essa Copa não era pra mim. Sinceramente nem cheguei a
ver os preços no site. Apenas as conversas indiretas com amigos foram
suficientes para desmanchar esse engano. Essa Copa não havia sido feita pra mim.
Por isso, sou contra o argumento de que não adianta fazer
protesto agora. Ninguém sabia o rumo que a coisa ia levar. Por isso, como
mostrou Jorge Luiz Souto Maior, em um dos melhores textos que li sobre a Copa,
a aprovação do evento no Brasil caiu de 79% em 2008 para 48% em 2014. Ninguém
foi consultado antes, isso desde a primeira eleição do Brasil para a Copa de
2006, e “nenhum silêncio do povo pode ser utilizado como fundamento para
justificar o abalo das instituições do Estado de Direito, vez que assim toda
tirania, baseada na força e no medo, estaria legitimada”.
Nesse texto, o jurista discorre que não há mais sentido
discutir se vai ou não ter Copa, simplesmente porque a “Copa já era”. Nada
poderá reverter os danos que as famílias dos trabalhadores mortos ou
desapropriadas sofreram. A Lei Geral da Copa permitiu que a nossa constituição
e soberania fossem ignoradas. As condições de trabalho impostas nas obras foram
horrendas, com denúncias de escravidão e infrações à legislação trabalhista. Ou
seja, a “Copa já era”.
Quando andamos pelas ruas, não vemos decorações. Ao pegar
transporte público não escutamos debates sobre escalação e sobre favoritos. A
Copa é aquele objeto que de longe parece lindo, mas de perto tem um cheiro
insuportável. E nisso, as arbitrariedades da Fifa ajudaram muito. Ficam muito
preocupados em não fazer vergonha frente à dona Fifa, que permitem que os
maiores abusos sejam perpetrados. Mas a proximidade da Copa teve seu lado bom!
Enquanto os coxinhas, com viralatices, exaltam o slogan “só
no Brasil, viu”, e torcem para tudo dar errado, trazendo a vergonha externa ao
país. Emergiu um Brasil de luta. Apesar das inúmeras derrotas, algumas vitórias
políticas foram obtidas. Se não nos foi deixado um legado social, indiscutivelmente o Brasil se levantou em organização política, contra uma Copa que não foi feita para o seu povo. Esse é o maior legado construído. O artigo abaixo dá exemplos dessas organizações e conquistas:
Futebol e política sempre foram coisas compatíveis. Vitórias no futebol, como sabemos, serviram para justificar governos autoritários
ou amenizar crises. Em paralelo, ajudavam a legitimar o que estava errado. No
entanto, desde 2012 vemos que futebol e política, quando contrários, fragilizavam e tensionavam essa matéria. O futebol se chocou com a sociedade e essa se levantou pelo direito daquilo que lhe foi subtraído por governos municipais, estaduais e federal. O evento de um mês não era uma justificativa realmente plausível para que direitos e vidas fossem afetadas para além de Junho, como aconteciam com as desapropriações, invasões do público pelo privado, etc. Nem tudo ocorreu como desejado, mas manifestações públicas e comitês populares ganharam corpo, propondo alternativas e indicando os prejuízos sociais trazidos por aquele evento cujo povo estava excluído.
As manifestações de junho de 2013 são fruto de um descontentamento,
nem sempre diretamente ligado ao futebol, e de uma luta por expansão de
direitos. O “não é só por 20 centavos” começou por melhorias no transporte
público e agregou diversas reivindicações históricas e levaram às ruas
movimentos há muito em luta. De repente, a grande mídia, que antes achava as
manifestações puro vandalismo, começou a exaltar os acontecimentos. Eu não
participei de nenhuma manifestação devido a problemas de saúde, mas pelo
facebook era possível sentir o teor da manifestação do dia 17. Sob o lema do “gigante
acordou”, milhares de coxecos que nunca estiveram nas ruas começaram a levantar
milhares de bandeiras conservadoras, como intervenção militar, redução da maioridade penal, ideologias supostamente "sem partido", etc. Felizmente a diminuição na tarifa de ônibus foi obtida e a
decisão do MPL de não convocar mais atos foi extremamente acertada. A
pluralidade de vozes acelerou o fim de junho.
Um ano se passou e estamos novamente em junho. Enquanto
muitos estarão nas ruas, cheirando gás lacrimogêneo e tomando tiros de balas de
borracha, excluídos social e financeiramente do evento; outros estarão nos estádios ou ignoraram a Copa, por acharem que um
fracasso futebolístico representaria um fracasso político nas próximas
eleições. Quem já não escutou o “agora é só torcer para o Brasil perder para esse
governo petralha sair”. Ingênuos, como bem lembrou Leonardo Sakamoto, a
continuidade de um governo, pelo menos no período democrático, não tem a ver
com sucessos futebolísticos. O Brasil perdeu em 1998 e o FHC continuou, houve
vitória em 2002 e o Brasil elegeu outro partido, em 2006 não foi nem a histeria
da mídia em exaltar o mensalão, nem a perda da copa que prejudicaram a
reeleição de Lula. Em 2010, a Dilma foi eleita e o PT se manteve do governo
federal mesmo com a desclassificação para a Holanda. Assim, podem torcer para o
Brasil perder, mas isso provavelmente terá pouco a ver com uma vitória ou derrota
eleitoral. No entanto, os protestos vão acontecer, independente de quem estiver no poder. A Copa transformou o brasileiro em um ser intimamente político. Querer impedir os protestos é tentar barrar o maior legado que nos foi deixado, já que outros nos passaram longe.
Apesar de sentir que essa Copa não foi feita para mim, já
fiz minha escolha. Apesar de tudo, vou torcer para o Brasil. Gosto de futebol,
gosto de Copa do Mundo e apesar da podre proximidade do evento vou torcer para
a seleção. Essa Copa não foi feita pra mim mesmo, então vou assisti-la como se
fosse na Alemanha ou na África do Sul. Lógico que essa posição não está
disponível para as famílias desalojadas, por exemplo. Há muitos problemas conhecidos (juro
que falarei deles ainda essa semana), mas não torcer para o Brasil gostando de
futebol é como não escutar Rock por tudo o que os EUA representam. De resto, fico com a política, dessa não tenho como ser excluído.
Vi essa imagem esses dias no Facebook e achei muito interessante. |
Também fico com a impressão do comentarista esportivo e cientista social,
Juca Kfouri em uma passeata do MTST. Apesar de tudo vão torcer para o Brasil. A
crítica à Copa tem pouco a ver com as eleições de outubro e o futebol jogado em
campo em junho. Mas o legado político, esse emergiu sem qualquer verba governamental! Ou quem sabe, devido à sua falta.
O povo fora dos estádios, mas nas ruas! Essa é uma conquista maior do que o Hexa!
Carlos Latuff |
Abraços
Jota
Jota, mais uma vez seu post está muito bom...Porém o quê me deixa muito enojado com estas manifestações é a falta de conhecimento daqueles que estão lá protestando...Pergunte à um destes manifestantes o qual o motivo dele estar lá e você vai ter respostas das mais escabrosas, tipo:
ResponderExcluir- estou aqui pois temos de protestar...
- estou aqui pois tudo mundo veio pra cá...
Com isso eu não sou a favor dos protestos/manifestações. Eu, particularmente, participei das manifestações para o impeachment do Collor e nas manifestações, ao contrário de agora, a grande maioria das pessoas sabia o que estava fazendo lá, o quê eu não suporto é ver nossa juventude ser "massa de manobra" para alguns que hoje são oposição politica a atual situação. Se queres mostrar tua indignação com tudo, escolhe melhor teus candidatos na próxima eleição, e cobra dele se eleito for. Creio que esta é melhor maneira de protestar, não é impedindo o teu próximo de exercer sua profissão, ou tolindo o direito de ir e vir.
Mas esta é somente minha opinião e esta será minha maneira de protestar...
Ah, não me esqueci da copa não: Também vou torcer para o Brasil, pois gosto de futebol e de competição.
Um quebra costelas pro amigo e um beijo pra tua chinoca (Bruna).
Marcelo