quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A morte e a modernidade: entre a autoridade e a liberdade


Fiquei muito impressionado com o assassinato do estudante da UFG Guilherme Silva Neto pelo seu próprio pai. Essa é uma daquelas notícias que você lê e, ao chegar ao fim, atônito e sem palavras, solta um “aonde chegamos”. Esse, infelizmente, não é o fim de ocasiões como essas. Violências familiares são muito comuns. No entanto, revela o desenvolvimento de um processo, que espero estar agonizante; um ponto específico na violenta história entre a liberdade e autoridade.

Lembrei-me daquela cena do filme “Sociedade dos poetas mortos” em que o personagem se mata porque o pai lhe proíbe de ser ator. Lembrei-me que em muitos romances modernos, os dramas individuais são vivenciados tão em desarmonia com a sociedade que o personagem acaba encontrando sua redenção na morte. Do suicídio à Auschwitz, de Werther à Macabeia, de Frankestein ao pedreiro de Construção a morte se mostra como possibilidade, se não única, frente às opressões do projeto moderno.

O caso não é o mesmo, mas mostra a herança autoritária que recebemos. O que está em discussão é a possibilidade da liberdade individual frente a figuras de autoridade, em que o conteúdo pouco importa frente a uma forma que, sem argumentos, grita: você sabe com quem está falando? Que na impossibilidade de aceitar a divergência, prefere a destruição total do outro.

Essa estrutura fica explícita no assassinato do estudante. Mas pode ser igualmente observada no caso da pediatra que se negou a atender o filho de uma petista; ou ataques a pessoas que vestiam vermelho. Há uma crescente insensibilidade ao outro e incapacidade de ouvir e de ver racionalidade nos argumentos alheios. Em qualquer discussão, vamos cheios de si e respostas prontas, em que mais do que argumentos, a vitória se mede em decibéis. Nessa estrutura, a discordância é tida como ofensa pessoal.

O absurdo caso do estudante goiano é emblemático. Não é o caso do indivíduo moderno que desamparado frente a um mundo opressor e pouco maleável busca sua redenção e libertação na morte. Não! Ao contrário, é a morte do individuo que luta e sabe da importância dessa para a alteração de estruturas e para um bem maior que a tranquilidade doméstica. Quem mata e se suicida é outro apavorado frente a um mundo diverso e em mutação, em que a maleabilidade parece ser a opressora daqueles que tinham certezas prontas. Nesse novo mundo não há espaço para essas certezas gestadas na segurança da vida e da opinião privada. O tempo da autoridade sem divergência já passou. E, para esses, só sobra a violência. 

Como sempre digo, vivemos em uma época limítrofe em que a barbárie, disfarçada de conservadorismo, como uma fera acuada e próxima do fim, morde mais forte. Mas se o fim parece inevitável, resta saber os danos que pode causar com sua mordida. De qualquer forma ainda dá tempo de pensar e refletir: aonde chegamos?

quarta-feira, 11 de maio de 2016

UNIR PARA GOVERNAR?


Há uma expressão no mundo da política que diz ser necessário dividir pra governar. A noção aplicada desde a antiguidade emergiu com força no imperialismo do século XIX. O objetivo seria criar cismas que enfraqueceriam os governantes e instituições locais, lançando em conflito entre si os diversos grupos sociais. Em diferentes épocas, essa foi uma lógica muito comum nas experiências imperiais.

Lembrei-me dessa frase quando ontem vi uma propaganda na página do Facebook do golpista/conspirador Michel Temer que dizia “falta pouco para unir o Brasil e fazer um governo sem rancor e sem ódio”. Em uma provocação na mesma rede social, fizeram um meme que completava: “sem rancor, sem ódio, sem votos, sem legitimidade, sem vergonha”. Apesar da brincadeira, acho difícil que uma união aconteça. Afinal, está claro para pelo menos 54 milhões de pessoas que isso foi um golpe, que se blindou da capa da legalidade para rasgar a constituição.

Talvez os golpistas estejam alucinando, mas é estranho falar em união quando só um lado é ouvido. Uma das frases mais empregadas na votação do dia 17/04 e já esteve na boca de muitos senadores que disseram votar a favor do impeachment é que é “necessário ouvir a voz das ruas”. Essa afirmação me deixa confuso e pergunto: que rua? Aquela das manifestações do pato e da rede globo ou daqueles a favor da democracia e contra o golpe?

Só vale se se vestir de verde-amarelo com a camiseta da mais que corrupta CBF? O interessante é acompanhar as manchetes: de um lado estava o povo na rua, de outro os apoiadores do governo. Uma construção que busca indicar que aquelas manifestações que se levantaram em todos os Estados do país em favor da democracia não eram povo. A união e harmonia só é possível quando um lado é totalmente ignorado. Os golpistas parecem escutar apenas um lado, aquele que o interessa.

Talvez essa harmonia e união venha da imprensa que forjará um falso consenso. Já é perceptível uma mudança nas capas da Veja. Não possuem mais aquele teor escatológico de antes. Talvez acreditem que a consumação do golpe e um governo não-petista seja o mesmo que o fim do caos. Talvez a união tão pregada pelos golpistas seja a ordem igualizadora, que apaga qualquer diversidade. Pessoas com deficiência, negros, mulheres, índios, trabalhadores etc serão apagadas sob o ideal de uma igualdade opressora que ignora as desigualdades sociais. 

terça-feira, 10 de maio de 2016

INSTABILIDADE?

Às vezes eu tenho a impressão de que os políticos estão se divertindo com os termos que utilizam, ao aplicar certas palavras indicando coisas contrárias ao que originalmente aquele vocabulário significaria. Além das conhecidas exaltações à liberdade, à constituição, à democracia e a condenação veemente da corrupção de um único partido, a palavra da vez parece ser “instabilidade”. Por conta da revogação da votação do impeachment na Câmara, um senador disse que o governo e seus aliados só estão querendo gerar mais instabilidade ao país.

É sério que eles acham que agir conforme as leis é causar instabilidade? Os golpistas parecem crianças. Já sabemos que desde a eleição de 2014 são crianças que não sabem perder. Mas, para além das posições políticas, me surpreende a ingenuidade desse povo que acha que tirar o PT do governo acabará com todos os males sociais e tudo que pretende dificultar o processo é motivo de pirraça. Se a Dilma indica o Lula como ministro, não pode é ilegal e fez isso para ter foro privilegiado. Se acusam o golpe, dizem que o impeachment está na constituição. Se indicam ilegalidades no processo querem causar tumulto.

O fato é que o golpe não dá direito de defesa. O cordeiro deve ser levado a sacrifício sem se manifestar ou tentar evitar o holocausto. Ou melhor, monta-se um teatro de legalidade, para dizer que a vítima teve direito de defesa. Mas, como disse José Eduardo Cardozo, essa é uma prática golpista, pois as cartas já estão marcadas e tudo se resume a mera encenação. Relatores que entregam pareceres substanciosos de um dia pro outro, proibições de palavras, crimes que não conseguem ser explicados. Com ares de processo democrático e amparados pela constituição inventam um impeachment sem crime de responsabilidade. Aqueles que não conseguiram vencer nas urnas por 4 vezes só podem obter o poder através de um golpe.

Mas sério que acham que esse é o caminho mais correto para fazer o país enfrentar a crise e devolver a estabilidade. Rasgaram a constituição e 54 milhões de votos. Se a partir de 2015 a crise econômica nos atingiu em cheio, a oposição vez de tudo para que não conseguíssemos sair dela. Conjuntamente, fomentaram uma crise política que deixou o país ingovernável. A solução que apresentam é retirar uma presidenta não acusada de corrupção para colocar no lugar os maiores envolvidos e políticas de austeridade.

Se querem estabilidade, se preparem pois não terão. A palavra “golpista” estará sempre gravada nas testas dos deputados e senadores que votaram a favor do impeachment. Além do mais, o povo que negou nas 4 últimas eleições o projeto neoliberal que a tal “ponte para o futuro” defende não vai aceitar facilmente. Vai ter golpe, e vai ter luta. Pelos direitos trabalhistas, em defesa da Petrobrás, da educação e saúde pública, as ruas serão ocupadas, certamente.

Aí, o que restará aos golpistas é dar o toque “militar” do golpe. Com a polícia oprimindo e rechaçando qualquer tipo de manifestação. A sonhada estabilidade se mostrará, na verdade, o início de uma guerra civil. E a culpa não estará necessariamente em nenhum dos lados, mas na imprensa que destilou o ódio e esqueceu qualquer tentativa de imparcialidade, no judiciário que passou em cima de leis e preceitos constitucionais, da polícia e suas conduções coercitivas sem convite para depor, dos políticos que, em busca de seus interesses pessoais, cagaram para o país, dos empresários (sobretudo a FIESP) que ampararam a ilegalidade para tornar legal a falta de direitos. Mas, sobretudo, do Superior Tribunal Federal, que é a instituição pela qual esperávamos que ordenasse a bagunça e dissesse a justiça.

As arbitrariedades que o STF realizou ou deixou de realizar nos levou até aqui. A instabilidade social está no horizonte. Nem um governo golpista terá legitimidade para governar em paz. Ignoradas a constituição e a democracia, qualquer escolha se mostra frágil. O que entristece e desaponta é ver que pouco se caminhou de 88 para cá. Não conseguimos criar instituições fortes e democráticas que julguem de forma imparcial e democrática. E onde a lei não é o rei, só nos resta a escravidão e as relações personalistas. Falhamos, sobretudo, em criar uma “cultura democrática”. 

sexta-feira, 29 de abril de 2016

RES PRIVADA: SOBRE A BURLESCA VOTAÇÃO DO DIA 17

O filósofo francês Gilles Deleuze tem uma definição sobre o que é ser de esquerda e de direita que gosto muito. Para ele, estar e defender algum desses opostos seria uma questão de perspectiva, como um remetente de uma carta. O sujeito de direita sairia de si e se movimentaria em direção ao mundo. Em um deslocamento centrífugo se afastaria de um pensamento focado em si, sua casa, seu bairro, sua cidade, seu Estado, seu país, o mundo. O sujeito de esquerda agiria justamente de forma contrária. Sua consciência repousaria no todo, em primeiro lugar, se aproximando aos poucos dos interesses pessoais: o mundo, o continente, o país, o Estado, a cidade, o bairro, sua casa, si próprio. Gosto muito dessa definição, acho que descreve com perfeição o que está em jogo em adotar uma posição política.

Lembrei-me muito dessa explicação na votação do impeachment na Câmara. Aqueles deputados que votaram pelo sim, diziam agir pela sua família, em nome de sua esposa, em defesa de seus filhos, pelos seus netos, etc. Outros até exaltavam sujeitos coletivos, mas, ainda assim, associados a interesses particulares: os militares do golpe de 1964, os fazendeiros, os produtores do setor fumageiro, os médicos do Brasil, os evangélicos etc. Diziam votar contra a corrupção e em defesa de um mundo melhor.

Os políticos de esquerda que votaram pelo não justificavam sua escolha em defesa dos interesses dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, das pessoas com deficiência, dos LGBT etc. Setores que certamente serão prejudicados com a consumação do golpe. Esses dias, no facebook, vi uma postagem que definia bem a situação e por isso me sinto obrigado a descrever de forma completa. Dizia assim: “Uma aulinha básica de ciência política: Família é uma instituição do mundo privado. Deputado é um agente público. Quando o agente público diz que está votando pela família dele ou de qualquer outro, está explicitando que como agente público ele defende interesses privados. O certo seria fazer referência a sujeitos coletivos, portanto, públicos como trabalhadores, os diversos segmentos sociais existentes na sociedade. O ethos privado suplantando o ethos público é a origem da corrupção. E você aplaude isso? Me perdoe, mas o tamanho de sua ignorância política me envergonha”.

Esse é um golpe à democracia e é acima de tudo um golpe contra todas as conquistas sociais dos últimos 14 anos. É um golpe contra a CLT, contra a Petrobrás, contra a universidade pública, o mais-médico, ao SUS etc. É uma atitude autoritária daqueles que não conseguiram ganhar nas urnas. Como disse no último post, querem de volta a distinção. Querem um projeto de governo que não possibilite cotas, direitos trabalhistas, a viagem do porteiro, o estudante no exterior. Querem uma sociedade hierarquizada e que beneficie unicamente a elite.


terça-feira, 26 de abril de 2016

OS SIGNIFICADOS DA CORRUPÇÃO



Falemos sério: a questão de fato nunca foi a corrupção, mas o projeto de poder que ela sustenta. Se aqueles que pedem o impeachment e querem tirar o PT do governo estivessem realmente preocupados com a corrupção estariam ao menos incomodados com o processo ser conduzido pelo Eduardo Cunha, pelo fato de o governo ser assumido pelo PMDB. Ficariam indignados com o sigilo imposto sobre a lista da Odebrecht, com o afinco de investigar o Lula enquanto escândalos envolvendo outros partidos e políticos são rapidamente abafados.

Esse discurso do “somos contra a corrupção, queremos que ambos os lados sejam investigados e presos” é falacioso. Não porque o princípio esteja errado, ou mesmo seja antiético. Para uma democracia fortalecida precisamos disso e de que ninguém esteja acima das leis. No entanto, não é o que acontece na prática. A honrada ideia não deixa de ser isso, uma ideia. Não quero hierarquizar um partido mais ou menos corrupto, mas é, no mínimo, de se desconfiar a parcialidade da mídia e do judiciário brasileiro. O foco massivo em apenas um lado da moeda fortalece os discursos que colocam um único partido como origem e consequência da corrupção.

Todavia, não é possível alegar ingenuidade daqueles que querem o impeachment para acabar com a corrupção. Pois dessa forma não concordariam com a cena burlesca daquela votação na câmara no dia 17. Ou seja, não é corrupção que incomoda, mas o que se faz com ela. Os golpistas querem o poder, não para acabar com corruptos e corruptores, mas para terem de volta o controle da PF, a promulgação de impostos, da escolha de ministros para o STF etc.

O argumento é que se deve acabar com o governo petista porque devido à corrupção ele desenvolveu uma maquinaria que lhe permitisse ficar indefinidamente no poder. Os desvios do dinheiro público seriam para isso: vencer as eleições. É isso que os “arautos da ética” dizem defender. No entanto, não é isso que faz do PT um governo que, apesar de todas as denúncias e perseguições, seja ainda uma opção menos pior do que todo o resto entre os outros partidos de centro-direita.

Se a corrupção é ubíqua, não escolhendo lados e partidos, e dificilmente será exterminada, devemos nos questionar o que de fato ela nos auxilia. O que é melhor, a corrupção que sustenta um projeto de governo que beneficia a muitos ou a poucos? Será que ela é mais justa nas contas bancárias no exterior de uns poucos políticos ou em melhorias e prazeres privados do que aquela que sustenta no Estado pessoas que prezam a melhoria do público e o maior acesso à saúde e educação a todos?

Os defensores da moral e dos bons costumes querem realmente o fim da corrupção ou querem a volta de uma estrutura que trazia benefício unicamente a corruptos? Querem retornar ao poder para destruir o bem público em benefício próprio. Não interessa se suas atitudes vão prejudicar o país, o que interessa é o quanto podem receber de empresas em suas contas. Querem a distinção. A isso criticam os médicos cubanos que se submetem a ir a áreas pobres acabando com o glamour daquela profissão. Querem o pré-sal. Dane-se a soberania nacional, dane-se a saúde e educação, dane-se o SUS e a escola pública. Essas coisas não dão dinheiro. Ao contrário, quanto menos investimento, menos impostos e mais distintos são aqueles que podem pagar por serviços exclusivos.

A isso, vê-se que a corrupção não é o problema. Se fosse, ainda sim preferiria um projeto que beneficiasse a maior parte da população e não apenas poucos, corruptos ou aqueles que querem manter seus privilégios. Aqueles que dizem querer seu país de volta, querem recuperar uma estrutura de poder que mantinha uma sociedade desigual e obediente a seus superiores. Falar em corrupção é só um bode-expiatório para ocultar as reais intenções e justificar o golpe, pois ninguém dúvida que aqueles deputados que votaram contra corrupção votaram em benefício próprio, de sua família, esposa, filhos, net...


quinta-feira, 21 de abril de 2016

SIM, VAI TER GOLPE! INFELIZMENTE...


Sinceramente, eu tenho dúvidas se ainda é possível acreditar em alguma chance de não acontecer o impedimento da presidenta Dilma. Não que eu não queira com todas minhas forças que a ordem democrática e a escolha popular das urnas prevaleçam. Só que, infelizmente, não acredito tanto mais nessa possibilidade (estou aberto a injeções de ânimo e visões otimista). A questão nunca foi a democracia. Desde o resultado da eleição (antes até) se elevou contra a Dilma e o PT discursos e práticas que resultaram na negação da justiça, da constituição e das instituições democráticas.
Vemos um STF acovardado, que impossibilita a posse de Lula como ministro, permite um impeachment sem crime de responsabilidade, que deixa solto um cara como Eduardo Cunha e arquivou qualquer denuncia contra o PSDB. Vemos um TSE que consegue fazer um malabarismo impensável em que possa condenar unicamente a Dilma e absolver seu vice da mesma chapa. Observamos atônitos uma prática judicial que nega qualquer princípio de não culpabilidade sem investigação, em que uma delação é elevada à qualidade de prova e que prende primeiro e antes de qualquer investigação séria. Ou seja, a questão nunca foi a justiça. 
Assim, tendo a achar uma ingenuidade (uma posição que eu mesmo tive que me convencer) de que se pode esperar uma decisão justa e democrática nesse caso. Acho vã qualquer esperança de que o senado consiga barrar o impeachment ou o STF intervenha em nome dos preceitos constitucionais. Muitos dos nossos políticos, empresários, jornalistas e juristas querem uma democracia sem povo. Depois da burlesca votação do impeachment na câmara fica difícil acreditar que o simples respeito à constituição pode nos salvar. 
Nesse circo que se apresenta e no qual ao povo parecem relegar um papel secundário ou de mero espectador, cabe unicamente à população a ocupação das ruas e do espaço público e o virtual. Vai ter golpe, sim, infelizmente. Gostaria de estar errado! Mas, não vejo muitas formas de se evitar isso que não seja a mobilização constante de quem nunca saiu das ruas ou o crescimento e divulgação da opinião pública internacional contra o golpismo. 
Ocupar as ruas é importante para não deixar o golpe prosseguir. O impeachment da Dilma é só o primeiro passo. Se os golpistas não se contentarem com uma cabeça oferecida à multidão, vão continuar no complô jurídico-midiático para acabar com o PT e qualquer chance do Lula voltar em 2018. Mas uma coisa é certa, com o golpe se efetivando a esquerda será fortalecida para as eleições municipais. Isso se aprender duas lições importantes: apesar das diferenças os partidos de esquerda devem se unir e, principalmente, nunca mais se envolver com partidos como PMDB, PP etc.

domingo, 3 de abril de 2016

OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS?

Talvez, o primeiro a responder positivamente a essa questão tenha sido Maquiavel, no início do século XVI, em sua obra O Príncipe. Propondo uma cisão entre ética e política, em que o governante deveria fazer o que fosse preciso para manter o poder, mesmo que isso significasse ir pelo caminho contrário ao sugerido pelos preceitos morais, deixou horrorizada uma Europa cristã, em que, ao contrário, o príncipe deveria ser justamente um símile e condutor dos princípios religiosos. Tal argumentação certamente foi um dos elementos que propiciou as bases para a percepção pejorativa que o termo maquiavélico tem, ainda hoje, entre nós.

Apesar da resistência sofrida por essa concepção, ninguém duvida de sua vitória. Mesmo que ainda fiquemos horrorizados com uma política sem ética, hoje a ação política determinada por preceitos morais e religiosos já não é tão desejada. Inclusive até preferimos que o privado seja afastado do público, e que opiniões particulares fiquem distantes dos assuntos sociais. Tem sempre um parlamentar querendo intervir no sexo, no útero, na roupa, na educação alheia etc. e essa distinção entre âmbitos é o que, na verdade, nos resguarda. No entanto, há um fator que deveria estar acima de qualquer opção pessoal: o bem-comum.

Ao contrário, o que percebemos é a atuação de grupos midiáticos, jurídicos, industriais, sociais etc, querendo destruir conquistas políticas tardias, em nome de escusos interesses privados. Não admira que aqueles que querem o Impeachment da presidenta, sejam justamente aqueles mais denunciados por corrupção. Não é de se surpreender com as estatísticas de que a maior parte dos que vestem verde-amarelo ganhem mais, tenham nível superior, votaram no Aécio etc. Em resumo, são pessoas que veem uma piora em suas condições de vida, isso, todavia, devido à melhora da vida dos outros. Para esses que sempre tiveram privilégios, a busca por igualdade significa opressão e um governo mais preocupado com as questões sociais só pode parecer uma ditadura.

Em verdade, querem a destruição desse projeto de Brasil a qualquer custo. Querem o fim das garantias trabalhistas, o monopólio midiático, a privatização dos bens públicos, o silêncio das diferenças, os privilégios, a distinção da massa da população e, por conta dessa tal pretensa superioridade, a submissão. E nesse sentido: os fins justificam os meios? Ao que parece, sim. Mas não de um governante que quer sustentar seu Estado, ao contrário, de uma elite ávida por reconquistar o poder perdido. Identificam a perda desse mundo com o PT, o ex-presidente Lula, a presidenta Dilma, os movimentos sociais com a figura do mal e estão dispostas a tudo para ter seu país de volta!

Não interessa a opinião dos outros. A democracia só vale se minha opção prevaleça. As pessoas se admiram com a presença e participação ativa da população nas manifestações do dia 18 e 31, contra o golpe e a favor da democracia. Sim, gente, não sei se vocês sabem mas a Dilma ganhou as eleições e há 54 milhões de pessoas dispostas a defender sua escolha. Certamente, os golpistas acharam que seria mais fácil derrubar a presidenta, para terminar as investigações e vender o Brasil. Para se atingir o objetivo tudo seria permitido, até ignorar os meios.

Vivemos na exceção. Começando pela perseguição voraz a um único partido e a ocultação de toda corrupção realizada por outros. Para isso, não é necessário respeitar o comprometimento jornalístico, a constituição, a ética médica, a opinião dos outros.  Corruptos unidos prometem combater a corrupção. Decreta-se a prisão preventiva ou a tal condução coercitiva antes mesmo de uma séria investigação ou da pessoa ser notificada a depor. Afinal, nestes casos, geralmente o acusado já foi determinado, agora só falta o crime, mas esse é irrelevante.

Por esse pensamento, quem usa vermelho não é patriota, mesmo que seja contra a desigualdade social e a favor do investimento público. De verdade mesmo é a FIESP, que pede impeachment e colori seu prédio de verde-amarelo, o fato dela defender a terceirização e o desmonte da CLT é só um detalhe e favorece aquele Brasil pelo qual acredita valer a pena. A médica que negou atendimento a uma mãe petista é louvada pelo presidente de seu sindicato. A OAB protocola um pedido de impeachment tentando criminalizar absurdamente ações legais. Ainda bem que ela é uma organização isenta, mesmo não sendo tão rápida assim para pedir a cassação de Eduardo Cunha e ter apoiado o golpe de 1964.

Justiça? Já ouvi falar. Nesta ditadura petista em que só petista é preso, a informação e a investigação é totalmente parcial. Enquanto pedem a prisão preventiva de Lula, para orgasmo da elite e para espetacularização da mídia, por um triplex e um sítio que nem é dele, Cunha e sua família estão soltos. Mas cassá-lo ou prendê-lo pode atrapalhar o andamento do processo de impeachment e inimigo do meu inimigo é meu amigo. Observam o parecer de Gilmar Mendes como o ícone da justiça e da idoneidade. Quem não te conhece que te compre. Por isso defendo a discussão política em termos de intenção, não de verdade. O bem público, o comportamento ético, justo e comprometido não interessa, desde que os fins sejam obtidos. Mesmo que para isso seja necessário espoliar a população, agir contra a constituição, levantar a voz, usar de violência e ignorar a legitimidade das urnas, levando junto todos pilares que sustentam nossa democracia.

segunda-feira, 28 de março de 2016

VERDADES E INTENÇÕES!

Sinceramente, acredito que na discussão política temos que abandonar, o mais rápido possível, a noção de verdade e passar a discutir a questão em termos de intenção. Enquanto acharmos que um órgão, partido ou instituição detém a verdade absoluta sobre uma questão, daremos margem a autoritarismos e violências. A ideia presente no Evangelho de João de que basta conhecer “a verdade e a verdade vos libertará”, tão importante no mundo religioso, pode ser igualmente aplicada para o universo social, cultural, científico etc.

Por essa perspectiva, a vida passa a ser percebida como um infinito progresso em direção ao conhecimento verdadeiro e as épocas e saberes passados como dignos de serem descritos como meras superstições. Essa estrutura, por exemplo, está presente na forma que tratamos nossas crianças, velhos ou adversários, tidos como aqueles que “ainda” estão afastados da verdade, da ciência ou que possuem um saber anacrônico e ultrapassado. Como uma máscara que esconde a verdadeira pessoa do ator em cena, a verdade deveria ser revelada para que o essencial fosse capturado. Retirados os véus que separariam a realidade das aparências, os seres humanos então poderiam enfrentar de maneira mais sóbria suas reais condições de vida. Seja por determinação divina ou devido a uma ideologia da classe dominante, toda ilusão deveria ser retirada para a efetiva libertação e autonomia do indivíduo.

Todavia, essa percepção muito em voga, tanto na esquerda quanto na direita, pode esconder mecanismos reais de opressão, pois percebe a guerra pela verdade quase como um comportamento missionário. Aquele que teve acesso ao conhecimento tem a obrigação moral de revelá-lo ao outro. O que a um se afigura como uma missão civilizatória pode, por outra perspectiva, esconder a violência e autoritarismo presentes nesse processo. O imperialismo foi justificado assim, seja pelo espanhol que prometia levar o cristianismo ao indígena, seja pelo europeu que se empunha “o fardo” de levar a civilização à África. Como conclusão, toda exploração imposta às sociedades coloniais, para que tivessem acesso “a verdade”, é jogada para baixo do tapete.

Para isso, o processo é simples. Basta definir o bem, o justo, a liberdade como uma coisa específica, aprisionando-os em uma categoria e interpretando tudo o que não é aquilo que defendemos como símbolos do mal, da injustiça e da tirania. Algo bem comum em nossos dias. Sob tal perspectiva, o mundo é simples, encaixado em cores binárias e em argumentos tautológicos. Toda a complexidade da vida é reduzida em exércitos enfileirados em lados opostos: a luta entre o bem e o mal.

Com esse pensamento, a categoria se adianta ao discurso, à prática. Assim, é possível ver pessoas dizendo defender a “democracia”, pedindo intervenção militar ou se dizendo “patriotas”, por não vestir vermelho, mas apoiando a privatização do pré-sal e da Petrobrás. Essas, quando argumentamos algo que se afaste de suas expectativas ou entendimento, querem ganhar no grito, na violência. Têm um comportamento extremamente autoritário, pois se frustram com discordâncias e argumentos, querendo nos impor aquilo que definem como “verdade” goela abaixo, mesmo que seus discursos sejam contrários à ideia que dizem justamente defender. Não é a verdade que interessa, mas o poder. A realidade se transforma em uma disputa para revelar quem tem mais força.

Caso queiramos fugir dessa abordagem, devemos reconhecer que o objetivo não é o conhecimento verdadeiro, mas entender os mecanismos que permitiram que um saber se sobrepusesse a outros, em nome da fé ou da ciência. Ou seja, quem definiu que tal coisa é tal coisa, as intenções contidas na formulação e realização de um ato e que, de fato, o conflito em torno da verdade é uma guerra pelo poder. Devemos estar conscientes de que o conhecimento não nos liberta necessariamente, mas é um objeto em disputa por diferentes sujeitos e discursos.

A verdade não é algo que precisa ser revelada. Não é um ponto de chegada, mas deve, ao contrário, ser um ponto de partida. Devemos nos questionar quais são as intenções que aquelas pessoas têm para defender tal perspectiva, ou os motivos das omissões e escolhas feitas por determinado povo ou instituição. Por que utilizam noções como “patriotismo”, “democracia”, “corrupção”, para defender práticas e discursos que significam justamente o seu contrário?

Ainda hoje agimos dessa forma missionária em discussões virtuais, mas acredito que não é a questão. Comportamos-nos como se a verdade estivesse aí para todos enxergarem e fosse motivo necessário e suficiente para a salvação. No entanto, às vezes, tal postura é improdutiva, apenas uma perda de tempo. Uma regra que pus a mim mesmo e que, apesar de escorregar às vezes, tento seguir é: não discuto categorias, mas argumentos. O outro sempre tentará reduzir seu raciocínio sob uma categoria: “petista”, “esquerda caviar”, “comunista” etc.

Infelizmente, em muitos casos, as pessoas acreditam naquilo que já estavam inclinadas a acreditar no começo, por isso não interessam estatísticas, argumentos etc. A conversa é inútil. Dessa forma, seria melhor abraçar o caos e ao invés de buscar a revelação da verdade, devíamos reconhecer que há uma cacofonia de vozes e interesses em disputa. Nessa perspectiva, acredito que aceitar essa diversidade é o primeiro passo para fazermos da luta política algo mais produtivo.

domingo, 20 de março de 2016

QUERO O MEU PAÍS DE VOLTA!


Um dos argumentos defendidos pelos manifestantes vestidos de verde amarelo do dia 13 de março é de recuperar aquele país que lhe havia sido tomado. O motivo é justo, afinal originalmente a própria concepção de “revolução”, até aproximadamente o século XVIII, significava um retorno ao ponto inicial. Na medicina, como na política, um corpo doente, fosse ele o natural ou o estatal, seria restaurado com o equilíbrio de seus humores, o combate das partes facciosas e o retorno da ordem antiga, em que cada um sabia exatamente o seu lugar no mundo.

No entanto, há de se perguntar: que país é esse que querem de volta? Na última década, o Brasil saiu do mapa da fome, diminuiu a desigualdade social, investiu pesado em educação (novas universidades, cursos técnicos, bolsas e financiamentos no ensino superior, programas de intercâmbio internacional), foi palco de grandes eventos, como uma Copa do Mundo e as Olimpíadas (isso para ficar só nos esportivos), se tornou uma das mais importantes economias do mundo. Dessa forma, seria injusto dizer que alguém defende a volta da fome, da desigualdade, da baixa relevância econômica etc. Para mim, seria no mínimo, uma falta de caráter. Apesar que uns defendem Bolsonaro e o retorno da Ditadura - então, vai saber.

Um dos argumentos empunhados pelos manifestantes do 13 de março é o combate à corrupção e o necessário investimento em saúde e educação. Assim, me parece um pouco irracional se levantar contra os governos e o presidente que mais atuou nessas áreas. Desta forma, vamos deixar claro: o problema de fato não é a corrupção, mas o projeto político que ela sustenta. A seletividade da mídia, do judiciário, do mundo político, de empresários e de alguns cidadãos com as corrupções de alguns e não de outros revela isso. Vivemos em uma época em que falsos moralistas vêm a público e que corruptos se unem sob a bandeira de lutar contra a corrupção.

Se não seria justo dizer que aqueles vestidos com a camiseta da CBF (diga-se de passagem, uma das instituições mais corruptas de nosso país) desejam a volta da fome, da pobreza, da desigualdade (afinal isso seria um discurso que moralmente não cairia bem caso viesse a público), resta ainda a dúvida: o que querem então? Sonham com aquele país em que tinham poder e privilégios, o monopólio do conhecimento e dos espaços (acadêmicos, geográficos, sociais, econômicos etc). Em que o aeroporto não parecia uma rodoviária, em que uma viagem internacional ou um curso superior era símbolo de distinção. Como disse Danuza Leão em sua coluna na Folha: “Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?"

Desta forma, o que está em jogo, de fato, é o papel que o Estado deve desempenhar. “Essa gente” acredita no valor individual como elemento de distinção, seja devido à herança, poder aquisitivo, posição profissional ou grau acadêmico. Exaltam esforços individuais como exemplos de superação, ignorando todos os mecanismo de poder e exclusão existentes. Nas manifestações, tiram fotos com pobres ou gravam vídeos com negros (quase objetos de exceção, raridades em exposição) para mostrar que ali não está presente somente a “elite branca”. Na internet ironizam o pão com mortadela recebido pelos militantes, sem se questionar do filé mignon dado pela FIESP. Criticam aqueles que chegaram de ônibus fretado por instituições e sindicatos, sem pensar que em São Paulo o governo (PSDB) liberou as catracas do metrô. Se fosse um governo do PT facilmente seriam levantadas as acusações de aparelhamento e utilização da máquina estatal para fins privados.

Assim, veem a atuação do Estado para consertar qualquer desigualdade (Bolsa família, cotas, programas habitacionais) como esmola, algo avesso ao esforço individual. Para alguns privilegiados, os últimos 12 anos representam o declínio da distinção, dos privilégios e do monopólio de bens e do conhecimento. Agora, viagens e equipamentos não são mais exclusividade dos endinheirados ou a palavra do “senhor” atestado de verdade. Não é mais o único detentor do acesso à instrução. Nem a Rede Globo é a única fonte de informação, seu jornalismo atua contra os interesses nacionais (por isso sua atuação tão feroz contra o governo e em benefício do Golpe).

A volta desse país desejado representa o retorno da hierarquia, de uma organização social baseada na dependência. Não desejam a autonomia da população, mas sua eterna vassalagem, em que a relação desigual imposta gere a gratidão e o compromisso do “inferior” com aquele percebido como “superior”, tanto política como economicamente. Querem a volta dos tempos dos coronéis e em que o Estado não impunha tantos encargos trabalhistas. Sonham com um tempo em que era mais fácil encontrar uma empregada doméstica, em que o empregado não saía do emprego porque achou condições melhores em outro local, mas que, apesar da exploração, via na atitude do patrão um ato de benevolência, e por isso assumia a docilidade. De verdade, é esse o país que querem de volta. E é esse país que 54 milhões de pessoas não estão dispostas a devolver.