quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A morte e a modernidade: entre a autoridade e a liberdade


Fiquei muito impressionado com o assassinato do estudante da UFG Guilherme Silva Neto pelo seu próprio pai. Essa é uma daquelas notícias que você lê e, ao chegar ao fim, atônito e sem palavras, solta um “aonde chegamos”. Esse, infelizmente, não é o fim de ocasiões como essas. Violências familiares são muito comuns. No entanto, revela o desenvolvimento de um processo, que espero estar agonizante; um ponto específico na violenta história entre a liberdade e autoridade.

Lembrei-me daquela cena do filme “Sociedade dos poetas mortos” em que o personagem se mata porque o pai lhe proíbe de ser ator. Lembrei-me que em muitos romances modernos, os dramas individuais são vivenciados tão em desarmonia com a sociedade que o personagem acaba encontrando sua redenção na morte. Do suicídio à Auschwitz, de Werther à Macabeia, de Frankestein ao pedreiro de Construção a morte se mostra como possibilidade, se não única, frente às opressões do projeto moderno.

O caso não é o mesmo, mas mostra a herança autoritária que recebemos. O que está em discussão é a possibilidade da liberdade individual frente a figuras de autoridade, em que o conteúdo pouco importa frente a uma forma que, sem argumentos, grita: você sabe com quem está falando? Que na impossibilidade de aceitar a divergência, prefere a destruição total do outro.

Essa estrutura fica explícita no assassinato do estudante. Mas pode ser igualmente observada no caso da pediatra que se negou a atender o filho de uma petista; ou ataques a pessoas que vestiam vermelho. Há uma crescente insensibilidade ao outro e incapacidade de ouvir e de ver racionalidade nos argumentos alheios. Em qualquer discussão, vamos cheios de si e respostas prontas, em que mais do que argumentos, a vitória se mede em decibéis. Nessa estrutura, a discordância é tida como ofensa pessoal.

O absurdo caso do estudante goiano é emblemático. Não é o caso do indivíduo moderno que desamparado frente a um mundo opressor e pouco maleável busca sua redenção e libertação na morte. Não! Ao contrário, é a morte do individuo que luta e sabe da importância dessa para a alteração de estruturas e para um bem maior que a tranquilidade doméstica. Quem mata e se suicida é outro apavorado frente a um mundo diverso e em mutação, em que a maleabilidade parece ser a opressora daqueles que tinham certezas prontas. Nesse novo mundo não há espaço para essas certezas gestadas na segurança da vida e da opinião privada. O tempo da autoridade sem divergência já passou. E, para esses, só sobra a violência. 

Como sempre digo, vivemos em uma época limítrofe em que a barbárie, disfarçada de conservadorismo, como uma fera acuada e próxima do fim, morde mais forte. Mas se o fim parece inevitável, resta saber os danos que pode causar com sua mordida. De qualquer forma ainda dá tempo de pensar e refletir: aonde chegamos?

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