segunda-feira, 28 de março de 2016

VERDADES E INTENÇÕES!

Sinceramente, acredito que na discussão política temos que abandonar, o mais rápido possível, a noção de verdade e passar a discutir a questão em termos de intenção. Enquanto acharmos que um órgão, partido ou instituição detém a verdade absoluta sobre uma questão, daremos margem a autoritarismos e violências. A ideia presente no Evangelho de João de que basta conhecer “a verdade e a verdade vos libertará”, tão importante no mundo religioso, pode ser igualmente aplicada para o universo social, cultural, científico etc.

Por essa perspectiva, a vida passa a ser percebida como um infinito progresso em direção ao conhecimento verdadeiro e as épocas e saberes passados como dignos de serem descritos como meras superstições. Essa estrutura, por exemplo, está presente na forma que tratamos nossas crianças, velhos ou adversários, tidos como aqueles que “ainda” estão afastados da verdade, da ciência ou que possuem um saber anacrônico e ultrapassado. Como uma máscara que esconde a verdadeira pessoa do ator em cena, a verdade deveria ser revelada para que o essencial fosse capturado. Retirados os véus que separariam a realidade das aparências, os seres humanos então poderiam enfrentar de maneira mais sóbria suas reais condições de vida. Seja por determinação divina ou devido a uma ideologia da classe dominante, toda ilusão deveria ser retirada para a efetiva libertação e autonomia do indivíduo.

Todavia, essa percepção muito em voga, tanto na esquerda quanto na direita, pode esconder mecanismos reais de opressão, pois percebe a guerra pela verdade quase como um comportamento missionário. Aquele que teve acesso ao conhecimento tem a obrigação moral de revelá-lo ao outro. O que a um se afigura como uma missão civilizatória pode, por outra perspectiva, esconder a violência e autoritarismo presentes nesse processo. O imperialismo foi justificado assim, seja pelo espanhol que prometia levar o cristianismo ao indígena, seja pelo europeu que se empunha “o fardo” de levar a civilização à África. Como conclusão, toda exploração imposta às sociedades coloniais, para que tivessem acesso “a verdade”, é jogada para baixo do tapete.

Para isso, o processo é simples. Basta definir o bem, o justo, a liberdade como uma coisa específica, aprisionando-os em uma categoria e interpretando tudo o que não é aquilo que defendemos como símbolos do mal, da injustiça e da tirania. Algo bem comum em nossos dias. Sob tal perspectiva, o mundo é simples, encaixado em cores binárias e em argumentos tautológicos. Toda a complexidade da vida é reduzida em exércitos enfileirados em lados opostos: a luta entre o bem e o mal.

Com esse pensamento, a categoria se adianta ao discurso, à prática. Assim, é possível ver pessoas dizendo defender a “democracia”, pedindo intervenção militar ou se dizendo “patriotas”, por não vestir vermelho, mas apoiando a privatização do pré-sal e da Petrobrás. Essas, quando argumentamos algo que se afaste de suas expectativas ou entendimento, querem ganhar no grito, na violência. Têm um comportamento extremamente autoritário, pois se frustram com discordâncias e argumentos, querendo nos impor aquilo que definem como “verdade” goela abaixo, mesmo que seus discursos sejam contrários à ideia que dizem justamente defender. Não é a verdade que interessa, mas o poder. A realidade se transforma em uma disputa para revelar quem tem mais força.

Caso queiramos fugir dessa abordagem, devemos reconhecer que o objetivo não é o conhecimento verdadeiro, mas entender os mecanismos que permitiram que um saber se sobrepusesse a outros, em nome da fé ou da ciência. Ou seja, quem definiu que tal coisa é tal coisa, as intenções contidas na formulação e realização de um ato e que, de fato, o conflito em torno da verdade é uma guerra pelo poder. Devemos estar conscientes de que o conhecimento não nos liberta necessariamente, mas é um objeto em disputa por diferentes sujeitos e discursos.

A verdade não é algo que precisa ser revelada. Não é um ponto de chegada, mas deve, ao contrário, ser um ponto de partida. Devemos nos questionar quais são as intenções que aquelas pessoas têm para defender tal perspectiva, ou os motivos das omissões e escolhas feitas por determinado povo ou instituição. Por que utilizam noções como “patriotismo”, “democracia”, “corrupção”, para defender práticas e discursos que significam justamente o seu contrário?

Ainda hoje agimos dessa forma missionária em discussões virtuais, mas acredito que não é a questão. Comportamos-nos como se a verdade estivesse aí para todos enxergarem e fosse motivo necessário e suficiente para a salvação. No entanto, às vezes, tal postura é improdutiva, apenas uma perda de tempo. Uma regra que pus a mim mesmo e que, apesar de escorregar às vezes, tento seguir é: não discuto categorias, mas argumentos. O outro sempre tentará reduzir seu raciocínio sob uma categoria: “petista”, “esquerda caviar”, “comunista” etc.

Infelizmente, em muitos casos, as pessoas acreditam naquilo que já estavam inclinadas a acreditar no começo, por isso não interessam estatísticas, argumentos etc. A conversa é inútil. Dessa forma, seria melhor abraçar o caos e ao invés de buscar a revelação da verdade, devíamos reconhecer que há uma cacofonia de vozes e interesses em disputa. Nessa perspectiva, acredito que aceitar essa diversidade é o primeiro passo para fazermos da luta política algo mais produtivo.

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