No entanto, há de se
perguntar: que país é esse que querem de volta? Na última década, o Brasil saiu
do mapa da fome, diminuiu a desigualdade social, investiu pesado em educação
(novas universidades, cursos técnicos, bolsas e financiamentos no ensino
superior, programas de intercâmbio internacional), foi palco de grandes
eventos, como uma Copa do Mundo e as Olimpíadas (isso para ficar só nos
esportivos), se tornou uma das mais importantes economias do mundo. Dessa
forma, seria injusto dizer que alguém defende a volta da fome, da desigualdade,
da baixa relevância econômica etc. Para mim, seria no mínimo, uma falta de
caráter. Apesar que uns defendem Bolsonaro e o retorno da Ditadura - então, vai saber.
Um dos argumentos empunhados
pelos manifestantes do 13 de março é o combate à corrupção e o necessário
investimento em saúde e educação. Assim, me parece um pouco irracional se
levantar contra os governos e o presidente que mais atuou nessas áreas. Desta
forma, vamos deixar claro: o problema de fato não é a corrupção, mas o projeto
político que ela sustenta. A seletividade da mídia, do judiciário, do mundo
político, de empresários e de alguns cidadãos com as corrupções de alguns e não
de outros revela isso. Vivemos em uma época em que falsos moralistas vêm a
público e que corruptos se unem sob a bandeira de lutar contra a corrupção.
Se não seria justo
dizer que aqueles vestidos com a camiseta da CBF (diga-se de passagem, uma das
instituições mais corruptas de nosso país) desejam a volta da fome, da pobreza,
da desigualdade (afinal isso seria um discurso que moralmente não cairia bem
caso viesse a público), resta ainda a dúvida: o que querem então? Sonham com
aquele país em que tinham poder e privilégios, o monopólio do conhecimento e
dos espaços (acadêmicos, geográficos, sociais, econômicos etc). Em que o
aeroporto não parecia uma rodoviária, em que uma viagem internacional ou um
curso superior era símbolo de distinção. Como disse Danuza Leão em sua coluna
na Folha: “Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio
também pode ir, então qual a graça?"
Desta forma, o que está
em jogo, de fato, é o papel que o Estado deve desempenhar. “Essa gente”
acredita no valor individual como elemento de distinção, seja devido à herança,
poder aquisitivo, posição profissional ou grau acadêmico. Exaltam esforços
individuais como exemplos de superação, ignorando todos os mecanismo de poder e
exclusão existentes. Nas manifestações, tiram fotos com pobres ou gravam vídeos
com negros (quase objetos de exceção, raridades em exposição) para mostrar
que ali não está presente somente a “elite branca”. Na internet ironizam o pão
com mortadela recebido pelos militantes, sem se questionar do filé mignon dado
pela FIESP. Criticam aqueles que chegaram de ônibus fretado por instituições e
sindicatos, sem pensar que em São Paulo o governo (PSDB) liberou as catracas do
metrô. Se fosse um governo do PT facilmente seriam levantadas as acusações de
aparelhamento e utilização da máquina estatal para fins privados.
Assim, veem a atuação
do Estado para consertar qualquer desigualdade (Bolsa família, cotas, programas
habitacionais) como esmola, algo avesso ao esforço individual. Para alguns
privilegiados, os últimos 12 anos representam o declínio da distinção, dos
privilégios e do monopólio de bens e do conhecimento. Agora, viagens e
equipamentos não são mais exclusividade dos endinheirados ou a palavra do “senhor”
atestado de verdade. Não é mais o único detentor do acesso à instrução. Nem a Rede
Globo é a única fonte de informação, seu jornalismo atua contra os interesses
nacionais (por isso sua atuação tão feroz contra o governo e em benefício do Golpe).
A volta desse país
desejado representa o retorno da hierarquia, de uma organização social baseada na dependência. Não desejam a autonomia da população, mas sua eterna
vassalagem, em que a relação desigual imposta gere a gratidão e o compromisso do “inferior”
com aquele percebido como “superior”, tanto política como economicamente.
Querem a volta dos tempos dos coronéis e em que o Estado não impunha tantos
encargos trabalhistas. Sonham com um tempo em que era mais fácil encontrar uma
empregada doméstica, em que o empregado não saía do emprego porque achou
condições melhores em outro local, mas que, apesar da exploração, via na
atitude do patrão um ato de benevolência, e por isso assumia a docilidade. De
verdade, é esse o país que querem de volta. E é esse país que 54 milhões de
pessoas não estão dispostas a devolver.
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