Às
vezes eu tenho a impressão de que os políticos estão se divertindo com os
termos que utilizam, ao aplicar certas palavras indicando coisas contrárias ao
que originalmente aquele vocabulário significaria. Além das conhecidas
exaltações à liberdade, à constituição, à democracia e a condenação veemente da
corrupção de um único partido, a palavra da vez parece ser “instabilidade”. Por
conta da revogação da votação do impeachment na Câmara, um senador disse que o
governo e seus aliados só estão querendo gerar mais instabilidade ao país.
É
sério que eles acham que agir conforme as leis é causar instabilidade? Os
golpistas parecem crianças. Já sabemos que desde a eleição de 2014 são crianças
que não sabem perder. Mas, para além das posições políticas, me surpreende a
ingenuidade desse povo que acha que tirar o PT do governo acabará com todos os
males sociais e tudo que pretende dificultar o processo é motivo de pirraça. Se
a Dilma indica o Lula como ministro, não pode é ilegal e fez isso para ter foro
privilegiado. Se acusam o golpe, dizem que o impeachment está na constituição.
Se indicam ilegalidades no processo querem causar tumulto.
O
fato é que o golpe não dá direito de defesa. O cordeiro deve ser levado a
sacrifício sem se manifestar ou tentar evitar o holocausto. Ou melhor, monta-se
um teatro de legalidade, para dizer que a vítima teve direito de defesa. Mas,
como disse José Eduardo Cardozo, essa é uma prática golpista, pois as cartas já
estão marcadas e tudo se resume a mera encenação. Relatores que entregam
pareceres substanciosos de um dia pro outro, proibições de palavras, crimes que
não conseguem ser explicados. Com ares de processo democrático e amparados pela
constituição inventam um impeachment sem crime de responsabilidade. Aqueles que
não conseguiram vencer nas urnas por 4 vezes só podem obter o poder através de
um golpe.
Mas
sério que acham que esse é o caminho mais correto para fazer o país enfrentar a
crise e devolver a estabilidade. Rasgaram a constituição e 54 milhões de votos.
Se a partir de 2015 a crise econômica nos atingiu em cheio, a oposição vez de
tudo para que não conseguíssemos sair dela. Conjuntamente, fomentaram uma crise
política que deixou o país ingovernável. A solução que apresentam é retirar uma
presidenta não acusada de corrupção para colocar no lugar os maiores envolvidos
e políticas de austeridade.
Se
querem estabilidade, se preparem pois não terão. A palavra “golpista” estará
sempre gravada nas testas dos deputados e senadores que votaram a favor do
impeachment. Além do mais, o povo que negou nas 4 últimas eleições o projeto
neoliberal que a tal “ponte para o futuro” defende não vai aceitar facilmente.
Vai ter golpe, e vai ter luta. Pelos direitos trabalhistas, em defesa da
Petrobrás, da educação e saúde pública, as ruas serão ocupadas, certamente.
Aí,
o que restará aos golpistas é dar o toque “militar” do golpe. Com a polícia
oprimindo e rechaçando qualquer tipo de manifestação. A sonhada estabilidade se
mostrará, na verdade, o início de uma guerra civil. E a culpa não estará
necessariamente em nenhum dos lados, mas na imprensa que destilou o ódio e
esqueceu qualquer tentativa de imparcialidade, no judiciário que passou em cima
de leis e preceitos constitucionais, da polícia e suas conduções coercitivas
sem convite para depor, dos políticos que, em busca de seus interesses
pessoais, cagaram para o país, dos empresários (sobretudo a FIESP) que ampararam
a ilegalidade para tornar legal a falta de direitos. Mas, sobretudo, do
Superior Tribunal Federal, que é a instituição pela qual esperávamos que
ordenasse a bagunça e dissesse a justiça.
As
arbitrariedades que o STF realizou ou deixou de realizar nos levou até aqui. A instabilidade
social está no horizonte. Nem um governo golpista terá legitimidade para
governar em paz. Ignoradas a constituição e a democracia, qualquer escolha se
mostra frágil. O que entristece e desaponta é ver que pouco se caminhou de 88
para cá. Não conseguimos criar instituições fortes e democráticas que julguem
de forma imparcial e democrática. E onde a lei não é o rei, só nos resta a
escravidão e as relações personalistas. Falhamos, sobretudo, em criar uma “cultura
democrática”.
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