sexta-feira, 29 de abril de 2016

RES PRIVADA: SOBRE A BURLESCA VOTAÇÃO DO DIA 17

O filósofo francês Gilles Deleuze tem uma definição sobre o que é ser de esquerda e de direita que gosto muito. Para ele, estar e defender algum desses opostos seria uma questão de perspectiva, como um remetente de uma carta. O sujeito de direita sairia de si e se movimentaria em direção ao mundo. Em um deslocamento centrífugo se afastaria de um pensamento focado em si, sua casa, seu bairro, sua cidade, seu Estado, seu país, o mundo. O sujeito de esquerda agiria justamente de forma contrária. Sua consciência repousaria no todo, em primeiro lugar, se aproximando aos poucos dos interesses pessoais: o mundo, o continente, o país, o Estado, a cidade, o bairro, sua casa, si próprio. Gosto muito dessa definição, acho que descreve com perfeição o que está em jogo em adotar uma posição política.

Lembrei-me muito dessa explicação na votação do impeachment na Câmara. Aqueles deputados que votaram pelo sim, diziam agir pela sua família, em nome de sua esposa, em defesa de seus filhos, pelos seus netos, etc. Outros até exaltavam sujeitos coletivos, mas, ainda assim, associados a interesses particulares: os militares do golpe de 1964, os fazendeiros, os produtores do setor fumageiro, os médicos do Brasil, os evangélicos etc. Diziam votar contra a corrupção e em defesa de um mundo melhor.

Os políticos de esquerda que votaram pelo não justificavam sua escolha em defesa dos interesses dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, das pessoas com deficiência, dos LGBT etc. Setores que certamente serão prejudicados com a consumação do golpe. Esses dias, no facebook, vi uma postagem que definia bem a situação e por isso me sinto obrigado a descrever de forma completa. Dizia assim: “Uma aulinha básica de ciência política: Família é uma instituição do mundo privado. Deputado é um agente público. Quando o agente público diz que está votando pela família dele ou de qualquer outro, está explicitando que como agente público ele defende interesses privados. O certo seria fazer referência a sujeitos coletivos, portanto, públicos como trabalhadores, os diversos segmentos sociais existentes na sociedade. O ethos privado suplantando o ethos público é a origem da corrupção. E você aplaude isso? Me perdoe, mas o tamanho de sua ignorância política me envergonha”.

Esse é um golpe à democracia e é acima de tudo um golpe contra todas as conquistas sociais dos últimos 14 anos. É um golpe contra a CLT, contra a Petrobrás, contra a universidade pública, o mais-médico, ao SUS etc. É uma atitude autoritária daqueles que não conseguiram ganhar nas urnas. Como disse no último post, querem de volta a distinção. Querem um projeto de governo que não possibilite cotas, direitos trabalhistas, a viagem do porteiro, o estudante no exterior. Querem uma sociedade hierarquizada e que beneficie unicamente a elite.


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