A Revolução vai acontecer. Não sei se esse mês, no próximo,
ano que vem ou daqui a 21 anos, mas vai acontecer. Talvez não seja uma ruptura
drástica e violenta, com guilhotinas e tudo o mais, mas, ao contrário, um lento
processo pacífico e evolutivo de uma mudança sem retrocessos. É difícil afirmar
que não haverá retrocessos, afinal sempre haverá aquelas forças que tentarão
conter qualquer progresso, a fim de manter seus privilégios. O golpe está aí
para provar. No entanto, a crença em um não retrocesso é a mesma que carrego
sobre a possibilidade de uma revolução: o Zeitgeist
mudou e apenas não é mais possível continuar fazendo as coisas da mesma
forma.
Embora seja perceptível os esforços de homens e mulheres das
mais diversas áreas em assegurar uma estrutura que impeça a presença da
diversidade e mantenha seus privilégios privados em detrimento do público, as
pessoas não são mais as mesmas. Se antes era fácil, pelo monopólio da
informação, acesso à educação e instituições, sustentar uma única voz, coerente
e ordenada, agora é mais difícil.
Os parlamentares, juízes, imprensas, empresários brincam com
a vida humana e a população de todo um país como se fosse um boneco inanimado,
sem sangue, ossos e carne. E ainda dizem “acreditem em mim”! Chegamos a um
ponto em que o medo se torna ridículo, absurdo. Mentem como se não tivéssemos
os meios para saber que estão mentindo. Querem nos forçar a acreditar que
convicções bastam, sem mesmo a existência de provas.
Alguns poderes parecem não conhecer o mundo em que vivem. Um
executivo que, em pleno século XXI, diz que as mulheres são importantes para a
economia porque captam melhor a variação de preços no supermercado; não parece
estar falando sério! Ou que governos precisam de maridos para controlar os
gastos, não tem qualquer relação com a época atual. E o legislativo, que parece
estar brincando de lego com a vida alheia, isolado em seu mundo, fazendo leis e
mudando a constituição sem qualquer relação com o mundo do lado de fora. Às vezes
fico na dúvida se acreditam estar vivendo em 1950 ou 1850?
Mas isso é só alguns dos elementos que formam o material
combustível espalhado no terreno. No entanto, de nada adianta um espaço encharcado
de gasolina sem um isqueiro para incendiar toda a área. Falta aquilo que os
estudiosos das revoluções chamam de “gatilhos”, as causas de curta duração. É
isso que faz – apesar de encontrarmos certas condições e de toda confiança e
desejo de mudança – a Revolução apenas uma possibilidade. E isso mais que unicamente
descritivo, faz desse texto também um pouco prescritivo, pois
compartilha esse desejo.
Longe de querer traçar leis para os fenômenos políticos, dois
elementos me fazem otimistas apesar de todas as aparentes derrotas. O primeiro
é a crescente polarização, que atinge o país pelo menos desde 2013
profundamente contra o atual projeto. A escolha de lados e a dicotomização de
atitudes se é ruim para a prática da política e da ética, é um guia interessante.
Torna-se cada vez mais fácil escolher um lado e mesmo muito daqueles que
estavam do outro lado já percebem nitidamente o monstro que ajudaram a criar.
E, agora, devem lutar juntos para combatê-lo, não importa a cor da camisa, em
nome de valores maiores como democracia, liberdade, justiça e igualdade.
Uma teoria que ficou muito famosa dentre os pesquisadores de
revoluções foi proposta por J. C. Davies na década de 1960. Para o autor, a
revolução seria o resultado de um pequeno momento de frustrações e rompimento
na ascensão social, depois de um período maior de crescimento econômico e de
possibilidades. Sem querer dizer que isso é uma pré-condição necessária para a
existência de uma revolução, pois essa permanece sempre uma mera possibilidade,
acho que a teoria formulada pelo sociólogo americano, da Curva J, nos ajuda a
explicar algumas coisas para o momento atual.
Adaptando a teoria a nosso contexto; desde 2002 o Brasil vem
num crescendo que passa pelo
crescimento econômico, a notoriedade internacional (seja pelos blocos, seja
devido aos eventos esportivos), a democratização do ensino superior, entre outras
coisas. O Golpe foi uma tentativa (espero de curto prazo) de conter essa
escalada.
No entanto, essa não será uma revolução como as outras,
amparadas em valores abstratos e racionais, buscando valores universais, mas
uma revolução histórica. Nela todas as vozes silenciadas, as memórias
esquecidas, as formas da diversidade, emergirão para o horror dos mais
conservadores e binários. Nessa revolução não há direitos naturais, mas
direitos conquistados pelas lutas cotidianas contra os possíveis retrocessos e
o atual estado das coisas.