Segundo o dicionário Houaiss, tautologia, pela lógica, pode
ser definida como uma “proposição analítica que permanece sempre verdadeira, uma
vez que o atributo é uma repetição do sujeito (o sal é salgado)”. Ainda,
segundo a mesma obra, retoricamente é considerada uma “expressão que repete o
mesmo conceito já emitido, ou que só desenvolve uma ideia citada, sem aclarar
ou aprofundar sua compreensão”. Às vezes é assim que me sinto quando tento
debater com certas pessoas.
Adoro conversar com aqueles/as que
problematizam e testam minhas afirmações. Procuro ir para qualquer conversa
munido de argumentos sobre o que pretendo defender, mas acreditando fielmente
que posso sair dali convencido do meu engano. No entanto, para isso, é
necessário ouvir a argumentação do outro lado, a partir de opiniões verossímeis
e socialmente aceitáveis. Ou seja, há de se argumentar. O que infelizmente não
acontece.
Não sei se por falta de educação política ou pura canalhice,
o que tem se tornado cada vez mais comum é o argumento tautológico. Que defino
como um tipo de ferramenta retórica que não visa a compreensão, mas a simples
divisão dos lados que já estavam e eram perceptíveis no início da conversa. Sob
essa perspectiva, não há debate, apenas a ratificação de posições já
disponíveis. Sai-se como no começo, da mesma maneira que se entrou e com a
sensação de tempo perdido. Uma energia intelectual foi gasta por nada.
Como se não adiantasse discutir, você é aquilo que a pessoa
já pensava de você anteriormente e toda sua argumentação cabe em uma caixinha
pintada, ou de vermelho ou de azul. Essa simplificação é uma infantilização de
quem assistiu muito desenho animado, em que só havia dois lados ou o bem ou o
mal. Sobre isso, vale ler a resposta do deputado Jean Wyllys a Rodrigo
Costantino.
O tipo de “argumento” (se podemos chamar isso de argumento)
é quase sempre uma repetição. Repete-se frequentemente invertendo os termos da
oração. Algo como se dissessem: você é burro porque é petista, ou, tentando ser
mais claro, você é petista porque é burro. Ou, como já ouvi, você pensa assim
porque é petista. E, assim, a parlamentação vai.
Naquela situação não pedi uma explicação para essa frase,
pois a resposta fatalmente seria algo como “você é petista porque pensa desta
forma”. Sinceramente, não adianta você explicar que está à esquerda do PT, que
seu pensamento não está fechado em categorias estanques, que o mundo é mais
plural do que vermelho e azul, que você pensa daquela forma devido aos pontos
apresentados e defendidos. Não adianta. Você já foi normatizado dentro de uma
categoria, disponível e compreensível à visão de mundo e intelecto de seu
interlocutor.
Já seria uma pena pela falta de diálogo e debate que esse
tipo de argumentação exige. Mas é pior. Esse tipo de argumentação é a morte da
política. Abre-se espaço para respostas simplistas e salvadoras. Não se escolhe
um candidato pelo que é e pelo que fez, mas unicamente porque ele não é (ou é) o
outro a ser batido. Não se analisa um movimento por suas reivindicações, mas
pelo caos que proporciona ao trânsito.
Com uma educação cada vez pior, o trabalho é assumido por
nossa imprensa. Nesse sentido, o monopólio midiático é muito bem utilizado em
nome do pensamento acrítico. Movimentos inteiros são deslegitimados com uma
palavra: vandalismo. Não se discute. Termos prontos são fornecidos por nossos
telejornais, revistas etc, como se fossem suficientes para explicar conflitos. Tamanha
é a pobreza e desonestidade intelectual de nossa mídia. O Luís Nassif tem um
texto recente muito bom sobre isso:
E são os interlocutores dessa imprensa que encontramos por
aí: arautos do “eu li na Veja”. É difícil explicar coisas complexas a cabeças
que são resquícios de um mundo bipolar em que as coisas eram mais simples.
Russos eram comunistas e americanos capitalistas (ou defensores da liberdade,
que para os mais simplistas é quase a mesma coisa). Homens eram homens e se
comportavam como homens. Mulheres eram mulheres e se comportavam como mulheres.
Para os tautológicos é incoerente um índio usando Nike (a
não ser que tenha se tornado cidadão, como disse um jornalista porto
alegrense). As cotas são uma medida de racismo inverso (não adianta explicar as
desigualdades raciais que encontramos nas universidades brasileiras, nem que a
cota é social, para quem estudou em escola pública). Mulher tem que gostar de
novela e homem de futebol.
Nesse mundo os papéis e lugares estão definidos. Aeroporto
não é lugar de pobre (senão parecerá uma rodoviária). Universidade não é lugar
de negro (um médico negro então! Mas imagina, racismo não existe no Brasil). A
cozinha não foi feita para o homem. Mulher no volante é perigo constante (não
adianta as pesquisas que mostram que os homens são os maiores causadores de
acidente).
Querem um mundo dado, em que tudo já está definido. Argumentos
e construtores destroem o mundo conhecido. Enquanto observam a destruição do
antigo e do conhecido se apegam a identidades fixas e monolíticas; “o homem”, o
“brasileiro”, a “mulher”, o “cidadão”, etc. Identidades e termos que, ao mesmo
tempo, impedem a mudança e deslegitimam o novo. “O mundo sempre foi assim! As
coisas são o que são!”. E a melhor definição de um termo é sua repetição: O
homem é homem. Ou, então, se define pelo contrário: O homem não é uma mulher.
E assim caminha a humanidade. No mundo tautológico, se você
faz uma crítica ao capitalismo, você é comunista. Se se opõe à truculência da
polícia ou à forma de funcionamento do metrô do Estado de São Paulo você é
petista (ou petralha). Se defende uma melhor distribuição de renda, quer tirar
daqueles que trabalharam duro e honestamente. E nisso a simples inversão dos
termos viram argumentos.
Sob esses princípios, o debate político se desenvolve. A
argumentação se resume em apontar erros do “seu lado”, como se as falhas
alheias justificassem às que defende. Vivemos em um mundo de limitadas capacidades
de interpretação de texto e de argumentação. O resultado é o esvaziamento da
política, que traz como consequência a busca por soluções salvadoras,
privatistas e autoritárias.
Mas esses são somente os meus argumentos. Ou talvez eu tenha
dito o que disse por ser um petralha. E por isso, dentro da argumentação tautológica,
nada disso tem valor.