terça-feira, 9 de maio de 2017

A Revolução Brasileira




A Revolução vai acontecer. Não sei se esse mês, no próximo, ano que vem ou daqui a 21 anos, mas vai acontecer. Talvez não seja uma ruptura drástica e violenta, com guilhotinas e tudo o mais, mas, ao contrário, um lento processo pacífico e evolutivo de uma mudança sem retrocessos. É difícil afirmar que não haverá retrocessos, afinal sempre haverá aquelas forças que tentarão conter qualquer progresso, a fim de manter seus privilégios. O golpe está aí para provar. No entanto, a crença em um não retrocesso é a mesma que carrego sobre a possibilidade de uma revolução: o Zeitgeist mudou e apenas não é mais possível continuar fazendo as coisas da mesma forma.

Embora seja perceptível os esforços de homens e mulheres das mais diversas áreas em assegurar uma estrutura que impeça a presença da diversidade e mantenha seus privilégios privados em detrimento do público, as pessoas não são mais as mesmas. Se antes era fácil, pelo monopólio da informação, acesso à educação e instituições, sustentar uma única voz, coerente e ordenada, agora é mais difícil.

Os parlamentares, juízes, imprensas, empresários brincam com a vida humana e a população de todo um país como se fosse um boneco inanimado, sem sangue, ossos e carne. E ainda dizem “acreditem em mim”! Chegamos a um ponto em que o medo se torna ridículo, absurdo. Mentem como se não tivéssemos os meios para saber que estão mentindo. Querem nos forçar a acreditar que convicções bastam, sem mesmo a existência de provas.

Alguns poderes parecem não conhecer o mundo em que vivem. Um executivo que, em pleno século XXI, diz que as mulheres são importantes para a economia porque captam melhor a variação de preços no supermercado; não parece estar falando sério! Ou que governos precisam de maridos para controlar os gastos, não tem qualquer relação com a época atual. E o legislativo, que parece estar brincando de lego com a vida alheia, isolado em seu mundo, fazendo leis e mudando a constituição sem qualquer relação com o mundo do lado de fora. Às vezes fico na dúvida se acreditam estar vivendo em 1950 ou 1850?

Mas isso é só alguns dos elementos que formam o material combustível espalhado no terreno. No entanto, de nada adianta um espaço encharcado de gasolina sem um isqueiro para incendiar toda a área. Falta aquilo que os estudiosos das revoluções chamam de “gatilhos”, as causas de curta duração. É isso que faz – apesar de encontrarmos certas condições e de toda confiança e desejo de mudança – a Revolução apenas uma possibilidade. E isso mais que unicamente descritivo, faz desse texto também um pouco prescritivo, pois compartilha esse desejo.

Longe de querer traçar leis para os fenômenos políticos, dois elementos me fazem otimistas apesar de todas as aparentes derrotas. O primeiro é a crescente polarização, que atinge o país pelo menos desde 2013 profundamente contra o atual projeto. A escolha de lados e a dicotomização de atitudes se é ruim para a prática da política e da ética, é um guia interessante. Torna-se cada vez mais fácil escolher um lado e mesmo muito daqueles que estavam do outro lado já percebem nitidamente o monstro que ajudaram a criar. E, agora, devem lutar juntos para combatê-lo, não importa a cor da camisa, em nome de valores maiores como democracia, liberdade, justiça e igualdade.

Uma teoria que ficou muito famosa dentre os pesquisadores de revoluções foi proposta por J. C. Davies na década de 1960. Para o autor, a revolução seria o resultado de um pequeno momento de frustrações e rompimento na ascensão social, depois de um período maior de crescimento econômico e de possibilidades. Sem querer dizer que isso é uma pré-condição necessária para a existência de uma revolução, pois essa permanece sempre uma mera possibilidade, acho que a teoria formulada pelo sociólogo americano, da Curva J, nos ajuda a explicar algumas coisas para o momento atual.

Adaptando a teoria a nosso contexto; desde 2002 o Brasil vem num crescendo que passa pelo crescimento econômico, a notoriedade internacional (seja pelos blocos, seja devido aos eventos esportivos), a democratização do ensino superior, entre outras coisas. O Golpe foi uma tentativa (espero de curto prazo) de conter essa escalada.


No entanto, essa não será uma revolução como as outras, amparadas em valores abstratos e racionais, buscando valores universais, mas uma revolução histórica. Nela todas as vozes silenciadas, as memórias esquecidas, as formas da diversidade, emergirão para o horror dos mais conservadores e binários. Nessa revolução não há direitos naturais, mas direitos conquistados pelas lutas cotidianas contra os possíveis retrocessos e o atual estado das coisas.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Dia da Mulher Cristã Evangélica



No final do ano passado, a criação do Dia da Mulher Cristã evangélica em São Paulo causou espanto a muitos. O projeto do deputado estadual Adilson Rossi (PSB) e sancionado pelo governador Geraldo Alckmin pareceu um absurdo; um contrassenso contra tudo o que está em pauta atualmente na luta da mulher por mais igualdade e melhores oportunidades. Além disso, por sua exagerada especificidade, era algo totalmente excludente: Por que não fazer então um Dia das Mulheres intolerantes a lactose? Ou um dia das mulheres ruivas? Ou um dia das mulheres praticantes de candomblé?

Certamente o dia 8 de Março, ao se apoiar em uma categoria mais ampla (mulher), agrega todas elas, seja qual for sua particularidade. No entanto, essa notícia, que por parecer dissonante à época e dada como pouco importante, é, ao contrário, um dos fatos mais relevantes da atual conjuntura. Tão importante que pode ser um elemento chave para eleição de 2018.

No fundo, o que está em jogo é a colonização do espaço público por interesses privados. Do golpe à eleição americana, 2016 foi um marco para isso e pautou a política eleitoral e parlamentar. É só ver a votação do Impeachment na Câmara dos Deputados em que supostos representantes do povo diziam votar por membros de sua família. Ou, então, podemos pensar nas eleições municipais em que religiosos ou “gestores” assumidamente privatistas venceram eleições contra candidatos com projetos e engajamentos com os interesses públicos.

É esse o caminho da política atualmente. O mundo caminha em direção ao espaço privado. E a constante afirmação do espaço público como um espaço caótico e ameaçador colaboram ainda mais para o medo, posturas violentas e a proteção das certezas domésticas. O voto balizado pela classe social parece ter sido colocado de lado, não é mais uma suposição válida que pessoas com uma renda mais baixa votem em partidos de esquerda, preocupados com políticas sociais e com a diminuição das desigualdades. Ao contrário, é a religião que parece ter assumido esse papel e não pode ser ignorada. O voto com o interesse público é substituído pela estabilidade da manutenção dos meus compromissos privados. Sob essa perspectiva, a criação de um Dia da Mulher Cristã Evangélica é ponto que precisa ser pensado para além da mera escolha confessional.

E a esquerda tem que estar atenta a esse fenômeno, caso contrário seremos obrigados a lidar com pastores e religiosos da bancada da bíblia, que pretensamente se vendem como incorruptíveis por causa de sua fé (mas sabemos não é bem assim que a banda toca). Não devemos achar que os absurdos e escândalos que aparecem todos os dias sobre o atual governo sejam suficientes para garantir a eleição de 2018. Nesse sentido, a criação do “Dia” deve ser visto como um sinal de alerta. Caso não seja capaz de reconstruir os vínculos públicos nos próximos anos, a esquerda poderá amargar o absurdo. A eleição poderá ser decidida por aquela mulher negra e pobre, que encontra mais afinidade e conforto em seu lar, em sua Bíblia e na sua Igreja evangélica do que no movimento negro, na rua e no “Manifesto Comunista” ou no “Segundo Sexo”.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A morte e a modernidade: entre a autoridade e a liberdade


Fiquei muito impressionado com o assassinato do estudante da UFG Guilherme Silva Neto pelo seu próprio pai. Essa é uma daquelas notícias que você lê e, ao chegar ao fim, atônito e sem palavras, solta um “aonde chegamos”. Esse, infelizmente, não é o fim de ocasiões como essas. Violências familiares são muito comuns. No entanto, revela o desenvolvimento de um processo, que espero estar agonizante; um ponto específico na violenta história entre a liberdade e autoridade.

Lembrei-me daquela cena do filme “Sociedade dos poetas mortos” em que o personagem se mata porque o pai lhe proíbe de ser ator. Lembrei-me que em muitos romances modernos, os dramas individuais são vivenciados tão em desarmonia com a sociedade que o personagem acaba encontrando sua redenção na morte. Do suicídio à Auschwitz, de Werther à Macabeia, de Frankestein ao pedreiro de Construção a morte se mostra como possibilidade, se não única, frente às opressões do projeto moderno.

O caso não é o mesmo, mas mostra a herança autoritária que recebemos. O que está em discussão é a possibilidade da liberdade individual frente a figuras de autoridade, em que o conteúdo pouco importa frente a uma forma que, sem argumentos, grita: você sabe com quem está falando? Que na impossibilidade de aceitar a divergência, prefere a destruição total do outro.

Essa estrutura fica explícita no assassinato do estudante. Mas pode ser igualmente observada no caso da pediatra que se negou a atender o filho de uma petista; ou ataques a pessoas que vestiam vermelho. Há uma crescente insensibilidade ao outro e incapacidade de ouvir e de ver racionalidade nos argumentos alheios. Em qualquer discussão, vamos cheios de si e respostas prontas, em que mais do que argumentos, a vitória se mede em decibéis. Nessa estrutura, a discordância é tida como ofensa pessoal.

O absurdo caso do estudante goiano é emblemático. Não é o caso do indivíduo moderno que desamparado frente a um mundo opressor e pouco maleável busca sua redenção e libertação na morte. Não! Ao contrário, é a morte do individuo que luta e sabe da importância dessa para a alteração de estruturas e para um bem maior que a tranquilidade doméstica. Quem mata e se suicida é outro apavorado frente a um mundo diverso e em mutação, em que a maleabilidade parece ser a opressora daqueles que tinham certezas prontas. Nesse novo mundo não há espaço para essas certezas gestadas na segurança da vida e da opinião privada. O tempo da autoridade sem divergência já passou. E, para esses, só sobra a violência. 

Como sempre digo, vivemos em uma época limítrofe em que a barbárie, disfarçada de conservadorismo, como uma fera acuada e próxima do fim, morde mais forte. Mas se o fim parece inevitável, resta saber os danos que pode causar com sua mordida. De qualquer forma ainda dá tempo de pensar e refletir: aonde chegamos?

quarta-feira, 11 de maio de 2016

UNIR PARA GOVERNAR?


Há uma expressão no mundo da política que diz ser necessário dividir pra governar. A noção aplicada desde a antiguidade emergiu com força no imperialismo do século XIX. O objetivo seria criar cismas que enfraqueceriam os governantes e instituições locais, lançando em conflito entre si os diversos grupos sociais. Em diferentes épocas, essa foi uma lógica muito comum nas experiências imperiais.

Lembrei-me dessa frase quando ontem vi uma propaganda na página do Facebook do golpista/conspirador Michel Temer que dizia “falta pouco para unir o Brasil e fazer um governo sem rancor e sem ódio”. Em uma provocação na mesma rede social, fizeram um meme que completava: “sem rancor, sem ódio, sem votos, sem legitimidade, sem vergonha”. Apesar da brincadeira, acho difícil que uma união aconteça. Afinal, está claro para pelo menos 54 milhões de pessoas que isso foi um golpe, que se blindou da capa da legalidade para rasgar a constituição.

Talvez os golpistas estejam alucinando, mas é estranho falar em união quando só um lado é ouvido. Uma das frases mais empregadas na votação do dia 17/04 e já esteve na boca de muitos senadores que disseram votar a favor do impeachment é que é “necessário ouvir a voz das ruas”. Essa afirmação me deixa confuso e pergunto: que rua? Aquela das manifestações do pato e da rede globo ou daqueles a favor da democracia e contra o golpe?

Só vale se se vestir de verde-amarelo com a camiseta da mais que corrupta CBF? O interessante é acompanhar as manchetes: de um lado estava o povo na rua, de outro os apoiadores do governo. Uma construção que busca indicar que aquelas manifestações que se levantaram em todos os Estados do país em favor da democracia não eram povo. A união e harmonia só é possível quando um lado é totalmente ignorado. Os golpistas parecem escutar apenas um lado, aquele que o interessa.

Talvez essa harmonia e união venha da imprensa que forjará um falso consenso. Já é perceptível uma mudança nas capas da Veja. Não possuem mais aquele teor escatológico de antes. Talvez acreditem que a consumação do golpe e um governo não-petista seja o mesmo que o fim do caos. Talvez a união tão pregada pelos golpistas seja a ordem igualizadora, que apaga qualquer diversidade. Pessoas com deficiência, negros, mulheres, índios, trabalhadores etc serão apagadas sob o ideal de uma igualdade opressora que ignora as desigualdades sociais. 

terça-feira, 10 de maio de 2016

INSTABILIDADE?

Às vezes eu tenho a impressão de que os políticos estão se divertindo com os termos que utilizam, ao aplicar certas palavras indicando coisas contrárias ao que originalmente aquele vocabulário significaria. Além das conhecidas exaltações à liberdade, à constituição, à democracia e a condenação veemente da corrupção de um único partido, a palavra da vez parece ser “instabilidade”. Por conta da revogação da votação do impeachment na Câmara, um senador disse que o governo e seus aliados só estão querendo gerar mais instabilidade ao país.

É sério que eles acham que agir conforme as leis é causar instabilidade? Os golpistas parecem crianças. Já sabemos que desde a eleição de 2014 são crianças que não sabem perder. Mas, para além das posições políticas, me surpreende a ingenuidade desse povo que acha que tirar o PT do governo acabará com todos os males sociais e tudo que pretende dificultar o processo é motivo de pirraça. Se a Dilma indica o Lula como ministro, não pode é ilegal e fez isso para ter foro privilegiado. Se acusam o golpe, dizem que o impeachment está na constituição. Se indicam ilegalidades no processo querem causar tumulto.

O fato é que o golpe não dá direito de defesa. O cordeiro deve ser levado a sacrifício sem se manifestar ou tentar evitar o holocausto. Ou melhor, monta-se um teatro de legalidade, para dizer que a vítima teve direito de defesa. Mas, como disse José Eduardo Cardozo, essa é uma prática golpista, pois as cartas já estão marcadas e tudo se resume a mera encenação. Relatores que entregam pareceres substanciosos de um dia pro outro, proibições de palavras, crimes que não conseguem ser explicados. Com ares de processo democrático e amparados pela constituição inventam um impeachment sem crime de responsabilidade. Aqueles que não conseguiram vencer nas urnas por 4 vezes só podem obter o poder através de um golpe.

Mas sério que acham que esse é o caminho mais correto para fazer o país enfrentar a crise e devolver a estabilidade. Rasgaram a constituição e 54 milhões de votos. Se a partir de 2015 a crise econômica nos atingiu em cheio, a oposição vez de tudo para que não conseguíssemos sair dela. Conjuntamente, fomentaram uma crise política que deixou o país ingovernável. A solução que apresentam é retirar uma presidenta não acusada de corrupção para colocar no lugar os maiores envolvidos e políticas de austeridade.

Se querem estabilidade, se preparem pois não terão. A palavra “golpista” estará sempre gravada nas testas dos deputados e senadores que votaram a favor do impeachment. Além do mais, o povo que negou nas 4 últimas eleições o projeto neoliberal que a tal “ponte para o futuro” defende não vai aceitar facilmente. Vai ter golpe, e vai ter luta. Pelos direitos trabalhistas, em defesa da Petrobrás, da educação e saúde pública, as ruas serão ocupadas, certamente.

Aí, o que restará aos golpistas é dar o toque “militar” do golpe. Com a polícia oprimindo e rechaçando qualquer tipo de manifestação. A sonhada estabilidade se mostrará, na verdade, o início de uma guerra civil. E a culpa não estará necessariamente em nenhum dos lados, mas na imprensa que destilou o ódio e esqueceu qualquer tentativa de imparcialidade, no judiciário que passou em cima de leis e preceitos constitucionais, da polícia e suas conduções coercitivas sem convite para depor, dos políticos que, em busca de seus interesses pessoais, cagaram para o país, dos empresários (sobretudo a FIESP) que ampararam a ilegalidade para tornar legal a falta de direitos. Mas, sobretudo, do Superior Tribunal Federal, que é a instituição pela qual esperávamos que ordenasse a bagunça e dissesse a justiça.

As arbitrariedades que o STF realizou ou deixou de realizar nos levou até aqui. A instabilidade social está no horizonte. Nem um governo golpista terá legitimidade para governar em paz. Ignoradas a constituição e a democracia, qualquer escolha se mostra frágil. O que entristece e desaponta é ver que pouco se caminhou de 88 para cá. Não conseguimos criar instituições fortes e democráticas que julguem de forma imparcial e democrática. E onde a lei não é o rei, só nos resta a escravidão e as relações personalistas. Falhamos, sobretudo, em criar uma “cultura democrática”. 

sexta-feira, 29 de abril de 2016

RES PRIVADA: SOBRE A BURLESCA VOTAÇÃO DO DIA 17

O filósofo francês Gilles Deleuze tem uma definição sobre o que é ser de esquerda e de direita que gosto muito. Para ele, estar e defender algum desses opostos seria uma questão de perspectiva, como um remetente de uma carta. O sujeito de direita sairia de si e se movimentaria em direção ao mundo. Em um deslocamento centrífugo se afastaria de um pensamento focado em si, sua casa, seu bairro, sua cidade, seu Estado, seu país, o mundo. O sujeito de esquerda agiria justamente de forma contrária. Sua consciência repousaria no todo, em primeiro lugar, se aproximando aos poucos dos interesses pessoais: o mundo, o continente, o país, o Estado, a cidade, o bairro, sua casa, si próprio. Gosto muito dessa definição, acho que descreve com perfeição o que está em jogo em adotar uma posição política.

Lembrei-me muito dessa explicação na votação do impeachment na Câmara. Aqueles deputados que votaram pelo sim, diziam agir pela sua família, em nome de sua esposa, em defesa de seus filhos, pelos seus netos, etc. Outros até exaltavam sujeitos coletivos, mas, ainda assim, associados a interesses particulares: os militares do golpe de 1964, os fazendeiros, os produtores do setor fumageiro, os médicos do Brasil, os evangélicos etc. Diziam votar contra a corrupção e em defesa de um mundo melhor.

Os políticos de esquerda que votaram pelo não justificavam sua escolha em defesa dos interesses dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, das pessoas com deficiência, dos LGBT etc. Setores que certamente serão prejudicados com a consumação do golpe. Esses dias, no facebook, vi uma postagem que definia bem a situação e por isso me sinto obrigado a descrever de forma completa. Dizia assim: “Uma aulinha básica de ciência política: Família é uma instituição do mundo privado. Deputado é um agente público. Quando o agente público diz que está votando pela família dele ou de qualquer outro, está explicitando que como agente público ele defende interesses privados. O certo seria fazer referência a sujeitos coletivos, portanto, públicos como trabalhadores, os diversos segmentos sociais existentes na sociedade. O ethos privado suplantando o ethos público é a origem da corrupção. E você aplaude isso? Me perdoe, mas o tamanho de sua ignorância política me envergonha”.

Esse é um golpe à democracia e é acima de tudo um golpe contra todas as conquistas sociais dos últimos 14 anos. É um golpe contra a CLT, contra a Petrobrás, contra a universidade pública, o mais-médico, ao SUS etc. É uma atitude autoritária daqueles que não conseguiram ganhar nas urnas. Como disse no último post, querem de volta a distinção. Querem um projeto de governo que não possibilite cotas, direitos trabalhistas, a viagem do porteiro, o estudante no exterior. Querem uma sociedade hierarquizada e que beneficie unicamente a elite.


terça-feira, 26 de abril de 2016

OS SIGNIFICADOS DA CORRUPÇÃO



Falemos sério: a questão de fato nunca foi a corrupção, mas o projeto de poder que ela sustenta. Se aqueles que pedem o impeachment e querem tirar o PT do governo estivessem realmente preocupados com a corrupção estariam ao menos incomodados com o processo ser conduzido pelo Eduardo Cunha, pelo fato de o governo ser assumido pelo PMDB. Ficariam indignados com o sigilo imposto sobre a lista da Odebrecht, com o afinco de investigar o Lula enquanto escândalos envolvendo outros partidos e políticos são rapidamente abafados.

Esse discurso do “somos contra a corrupção, queremos que ambos os lados sejam investigados e presos” é falacioso. Não porque o princípio esteja errado, ou mesmo seja antiético. Para uma democracia fortalecida precisamos disso e de que ninguém esteja acima das leis. No entanto, não é o que acontece na prática. A honrada ideia não deixa de ser isso, uma ideia. Não quero hierarquizar um partido mais ou menos corrupto, mas é, no mínimo, de se desconfiar a parcialidade da mídia e do judiciário brasileiro. O foco massivo em apenas um lado da moeda fortalece os discursos que colocam um único partido como origem e consequência da corrupção.

Todavia, não é possível alegar ingenuidade daqueles que querem o impeachment para acabar com a corrupção. Pois dessa forma não concordariam com a cena burlesca daquela votação na câmara no dia 17. Ou seja, não é corrupção que incomoda, mas o que se faz com ela. Os golpistas querem o poder, não para acabar com corruptos e corruptores, mas para terem de volta o controle da PF, a promulgação de impostos, da escolha de ministros para o STF etc.

O argumento é que se deve acabar com o governo petista porque devido à corrupção ele desenvolveu uma maquinaria que lhe permitisse ficar indefinidamente no poder. Os desvios do dinheiro público seriam para isso: vencer as eleições. É isso que os “arautos da ética” dizem defender. No entanto, não é isso que faz do PT um governo que, apesar de todas as denúncias e perseguições, seja ainda uma opção menos pior do que todo o resto entre os outros partidos de centro-direita.

Se a corrupção é ubíqua, não escolhendo lados e partidos, e dificilmente será exterminada, devemos nos questionar o que de fato ela nos auxilia. O que é melhor, a corrupção que sustenta um projeto de governo que beneficia a muitos ou a poucos? Será que ela é mais justa nas contas bancárias no exterior de uns poucos políticos ou em melhorias e prazeres privados do que aquela que sustenta no Estado pessoas que prezam a melhoria do público e o maior acesso à saúde e educação a todos?

Os defensores da moral e dos bons costumes querem realmente o fim da corrupção ou querem a volta de uma estrutura que trazia benefício unicamente a corruptos? Querem retornar ao poder para destruir o bem público em benefício próprio. Não interessa se suas atitudes vão prejudicar o país, o que interessa é o quanto podem receber de empresas em suas contas. Querem a distinção. A isso criticam os médicos cubanos que se submetem a ir a áreas pobres acabando com o glamour daquela profissão. Querem o pré-sal. Dane-se a soberania nacional, dane-se a saúde e educação, dane-se o SUS e a escola pública. Essas coisas não dão dinheiro. Ao contrário, quanto menos investimento, menos impostos e mais distintos são aqueles que podem pagar por serviços exclusivos.

A isso, vê-se que a corrupção não é o problema. Se fosse, ainda sim preferiria um projeto que beneficiasse a maior parte da população e não apenas poucos, corruptos ou aqueles que querem manter seus privilégios. Aqueles que dizem querer seu país de volta, querem recuperar uma estrutura de poder que mantinha uma sociedade desigual e obediente a seus superiores. Falar em corrupção é só um bode-expiatório para ocultar as reais intenções e justificar o golpe, pois ninguém dúvida que aqueles deputados que votaram contra corrupção votaram em benefício próprio, de sua família, esposa, filhos, net...